12 de fev. de 2013

Nelson Motta, o piadista de araque






Por Pedro Pomar

A hegemonia do “pensamento Globo” é tão forte que arrasta para o seu campo uma série de intelectuais progressistas (ou que supúnhamos que o fossem) que mantêm vínculos simbólicos ou materiais com o principal grupo de mídia do país. O jornalista Nelson Motta, excelente crítico de música, e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, ultimamente vem se aplicando na tarefa de tornar-se um intelectual reacionário, sempre pronto a espicaçar a esquerda por erros reais ou imaginários.

No artigo “Piadas no Salão”, publicado na edição de 8/2 do Estadão (p. A7) e disponível também em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/02/08/piadas-no-salao-por-nelson-motta-485583.asp, Nelson Motta trata da questão da democratização da mídia com uma leviandade espantosa. Ao fazer referência a uma declaração do ex-ministro José Dirceu, condenado na AP 470, em que este denuncia o “monopólio da comunicação”, o colunista pergunta: “Êpa! Que monopólio de araque é esse com tantas empresas competindo num dos maiores mercados publicitários do mundo?” 

A rigor, não se trata mesmo de monopólio, mas de oligopólio, como advertia o saudoso jornalista Jair Borin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). O que não refresca nada. Porque, ainda que não seja uma única empresa a controlar sozinha o conjunto dos meios chamados de “comunicação de massa”, são algumas poucas que concentram, reunidas, algo em torno de 90% do sistema! Portanto, temos um oligopólio em que cerca de uma dezena de grandes grupos empresariais controla as principais emissoras de TV, rádio, jornais e revistas impressos de maior circulação, portais da Internet e outras mídias. Também integram o sistema, em maior ou menor grau, oligopólios e monopólios de escala regional e local.

Portanto, “monopólio” ou oligopólio, o fato é que um pequeno grupo de poderosas empresas determina, em grande medida, a qualidade e o formato daquilo que a maior parte dos brasileiros lê, ouve e assiste. A propriedade cruzada — o controle simultâneo de redes de rádio e TV, publicações impressas, meios digitais, distribuidoras, produtoras de filmes e discos e até transmissão de dados via satélite — confere enorme poder a essas empresas. 

Motta devia saber disso, afinal de contas ele trabalha para a TV Globo e tem seus escritos publicados no G1, portal do mesmo grupo. O supergrupo da família Marinho é a estrela de maior brilho dentro do oligopólio e o “campeão” em matéria de propriedade cruzada da mídia no Brasil. 

Mesmo com audiência em queda na TV, o grupo Globo ainda é, de longe, o maior conglomerado de mídia do país, com receitas anuais superiores a R$ 10 bilhões nos últimos anos. Segundo a revista Forbes, somente com a novela “Avenida Brasil” a Globo obteve receita de R$ 2 bilhões em 2012!

“Não podemos permitir que o Zé Dirceu tente cercear a palavra da imprensa independente, que não depende de favores do governo e vive de anunciantes privados que pagam para divulgar e promover seus produtos e serviços nos veículos que atingem o maior público com mais credibilidade”, exclama o indignado Motta no seu texto.

Ora, o que o articulista chama de “imprensa independente” são exatamente esses grandes grupos que integram o oligopólio da mídia. Afirmar que essa turma vive de anunciantes privados e que “não depende de favores do governo” é contar apenas parte da história (e falsear a outra parte). Tem sido fartamente noticiado que os governos estaduais de São Paulo (Alckmin, Serra) repassaram centenas de milhões de reais, durante anos, para os grupos Abril, Globo, Folha e Estado, mediante contratos sem licitação para aquisição de publicações impressas. 

Mesmo o governo federal, duramente combatido por alguns desses grupos de mídia que resolveram assumir ostensivamente o papel de oposição, tem contribuído generosamente para sustentá-los. Todos receberam fartas verbas publicitárias da União em 2012. Mas Carta Capital, uma revista comercial que faz jornalismo de qualidade (e que apoiou a eleição de Dilma, sem abrir mão do direito de criticar erros do governo), recebeu pouco mais de R$ 100 mil.

Por outro lado, a opinião do ex-ministro José Dirceu importa bem pouco nesta questão. Para falar a verdade, enquanto esteve à frente da máquina partidária, e depois na Casa Civil, ele nunca se preocupou efetivamente em combater o oligopólio da mídia. É bom que se diga que a bandeira da democratização da mídia pertence a movimentos sociais, grupos, partidos e entidades da sociedade civil que conseguiram viabilizar politicamente a I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em Brasília em 2009. Embora tenha sido convocada pelo próprio governo federal, e contado com expressiva participação do empresariado, as principais medidas aprovadas na Conferência para tornar a comunicação mais democrática e pluralista jamais foram implantadas.

Utilizando-se de um linguajar que seria mais apropriado num texto de Arnaldo Jabor, diz ainda Motta em seu artigo: “Um dos relinchos (sic!) mais estridentes nos blogs políticos é exigir que Dilma corte toda a publicidade estatal da TV Globo, por criticar o governo. Devem achar que a Caixa, o Banco do Brasil e a Petrobras anunciam na Globo, que tem mais audiência do que todas as outras juntas, não por necessidade de competir no mercado, mas para comprar apoio. Para eles tudo na vida é mensalão”.

Criticar o governo é necessário e importante, sempre que houver erros, omissões e ilicitudes que precisem ser apontadas. Porém, o que os grupos de mídia (Globo à frente) têm feito frequentemente é inventar e distorcer fatos, com a finalidade de proteger seus próprios interesses (e os de seus aliados). O alvo dessa mídia nem sempre é o governo Dilma: muitas vezes são os movimentos sociais, os beneficiários de políticas públicas (como os sem-terra, os povos indígenas, os quilombolas), as centrais sindicais (como a CUT), os movimentos grevistas etc. Ou os governos de países como Venezuela, Argentina e Equador, atacados como se fossem “ditaduras” e constantemente ridicularizados por comentaristas e apresentadores.

Motta deveria refletir sobre o que ele mesmo escreve: que a TV Globo “tem mais audiência do que todas as outras juntas”. Será que isso é bom? Será que caiu do céu? Será que se deve apenas ao “padrão Globo de qualidade”? Ou tem a ver com os benefícios que a Globo recebeu da Ditadura Militar, que lhe permitiram crescer rapidamente, enriquecendo a família Marinho?

É verdade que Caixa, Petrobras e BB anunciam na Globo por causa de sua maior audiência? Em parte, sim. Mas também é verdade que não é à toa que o Brasil é “um dos maiores mercados publicitários do mundo”. Aqui gerou-se, historicamente, uma enorme relação de promiscuidade entre gestores públicos e interesses privados, em torno exatamente da publicidade oficial. Portanto é importante rever as estratégias de publicidade do governo, inclusive como parte do processo de desconcentração da mídia. Além disso, não custa lembrar um incômodo detalhe: as TVs são uma concessão do poder público! O governo paga para usar algo que é patrimônio da nação.

Por fim, não foi o próprio Motta que garantiu que a “imprensa independente”, ou seja, o oligopólio da mídia, “vive de anunciantes privados”? Bem, se é assim, devemos entender que não deve lhe fazer falta a publicidade de empresas estatais como a Petrobras, o BB e a Caixa...

Motta tripudia dos defensores da democratização da mídia, que ele vê como “piadistas de salão”. Mas sua defesa do oligopólio é ou não é uma piada de mau gosto?



Sintonia Fina



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