Saiu no Valor:
Ayres quer julgar mensalão até novembro
Por Juliano Basile | De Brasília
Ayres Britto: chamado de poeta por proferir votos com versos e trocadilhos
Eleito ontem presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Carlos Ayres Britto é um dos
juízes mais rigorosos com os políticos na história recente da Corte e
pode comandar o julgamento do mensalão, caso o processo seja liberado
até novembro.
Natural de Propriá, no interior
de Sergipe, Britto é conhecido como ministro-poeta por proferir votos
com versos e trocadilhos. “Os servidores não fazem voto de pobreza, mas
veto de riqueza”, disse ele ao votar o teto salarial do funcionalismo.
“Nada é mais elementar do que o alimentar”, afirmou durante julgamento
de pensionistas do INSS. “O Estado é leigo”, declarou, ironizando a
máxima de que “o Estado é laico” no julgamento das pesquisas com
células-tronco.
Mas, a imagem pacata e a fala
mansa do único ministro nordestino do Supremo contrastam com o teor
firme de seus votos quando o assunto envolve a classe política. O novo
presidente do STF vai assumir o cargo, em 19 de abril, com uma
jurisprudência pessoal recheada de decisões contrárias a autoridades.
Britto é um dos maiores defensores da Lei da Ficha Limpa na Corte. Ele
costuma dizer que candidatura vem de cândido, limpo e passou a exigir
essa conduta nos processos de políticos que analisa.
O ministro foi o relator da
primeira condenação de um político pelo STF desde a Constituição de 1988
– o deputado Zé Gerardo que foi julgado e condenado, em maio de 2010,
por desvio de verbas de um açude no interior do Ceará.
O futuro presidente foi ainda o
autor da tese da fidelidade partidária, pela qual os mandatos são dos
partidos, e não dos políticos. A tese foi desenvolvida por ele após o
escândalo do mensalão, no qual políticos teriam recebido valores para
votar a favor do governo. Ela foi aprovada pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), no início de 2007, e levou vários deputados à condição
de réus por causa do troca-troca partidário.
Britto também condenou a
campanha antecipada em decisões que levaram o então presidente Lula a
pagar multas por se manifestar publicamente a favor de candidatos do PT
antes do período de campanha.
O ex-presidente Lula indicou
Britto publicamente, em visita a Aracaju, quando discursava para uma
plateia em que o então advogado sergipano estava presente. Apenas depois
o então presidente confirmou as outras duas vagas que foram abertas na
época para Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Hoje, Peluso preside o STF e
Barbosa será o sucessor de Britto na Presidência, assim que esse último
completar 70 anos, em 18 de novembro, e se aposentar.
Ao se tornar ministro no STF,
Britto passou da condição de advogado ligado ao PT para um juiz no
julgamento de políticos. Quando tomou posse na Presidência do TSE, em
2008, ele declarou que, desde que se tornou juiz, a sua “página
partidária estava definitivamente virada”. “Eu virei um magistrado e um
magistrado não pode ter preferência partidária”, afirmou.
Além da atuação rigorosa sobre
os políticos, Britto foi relator dos principais casos sociais julgados
recentemente pelo STF. Partiu dele a proposta de suspender a Lei de
Imprensa por considerá-la uma legislação feita “em tempos de exceção”.
Britto foi ainda o relator do processo que levou o STF a garantir a
reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e do que resultou na
aprovação de pesquisas com células-tronco.
Esse último julgamento mostrou outra característica marcante do ministro: ele cita desde nomes importantes do Direito, como o português José Joaquim Gomes Canotilho, até músicos como Gilberto Gil. “Tem que morrer para germinar”, disse o ministro, ao defender as pesquisas com células embrionárias. Para ele, quando o juiz não domina um tema, ele deve buscar informações na sociedade, com especialistas. “O magistrado não é uma traça de processos”, definiu.
Britto não gosta de ficar
vencido, como aconteceu ao defender que a Lei da Anistia não pode servir
de empecilho para a apuração de crimes na ditadura militar, como
torturas, estupros, mortes e sequestros. Ele declarou que “preferia ser
um ministro-bússola do que um ministro-ímã”. Enquanto o primeiro
convence os demais a seguirem o seu voto, o segundo é sorteado como
relator de casos importantes – o caso de Britto.
Sintonia Fina
-Conversa Afiada
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