Rachel Duarte
Há no mínimo cinco mil anos o sexo é algo reprimido na sociedade. Em pleno século 21, diante do aumento da exposição da intimidade e das preferências sexuais, o tema ainda mexe com valores culturais e morais a ponto de manter preconceitos. Psicanalista há 38 anos e autora de mais de dez livros sobre o assunto, a carioca Regina Navarro Lins conversou sobre amor e sexo com o Sul21.
Para a psicanalista, os valores tradicionais de relacionamento não estão dando mais respostas satisfatórias e, com isso, se abre espaço para uma nova forma de viver. “Daqui algumas décadas a escolha do objeto amoroso será pelas características de personalidade e não mais pelo gênero homem ou mulher”, diz. Ela afirma, ainda, que o cavalheirismo é um retrocesso para o feminismo, uma vez que reforça a ideia de que a mulher é frágil e incompetente, necessitando de proteção do homem.
Com nove anos de site sobre relações amorosas e sexuais, ela recortou os principais desejos da maioria das pessoas e defende que traição não está relacionado a relações extraconjugais. “Eu não tenho dúvida, que as pessoas viveriam muito mais felizes e satisfeitas se elas entendessem que o que o outro faz quando não está comigo e não me diz respeito”, afirma.
Sul21 – A senhora tem dez livros sobre amor e sexo. Está prestes a lançar mais um este ano. Como você diferencia o amor e o sexo, já que da atração sexual surgem amores, assim como, pessoas podem amar outras que inicialmente não se sentiam atraídos?
Regina Navarro Lins – Amor e sexo são totalmente distintos. Você pode sentir tesão por alguém e não sentir amor por esta pessoa. Não necessariamente do tesão nasce o amor. Pode acontecer. Assim como você pode amar alguém e não ter tesão por esta pessoa. Isso acontece em muito casamentos. As pessoas se amam, gostam de estar juntas e ter projetos a dois e uma vida conjunta, mas não sentem tesão um pelo outro. Por isso, digo que são duas coisas totalmente distintas.
Sul21 – Manter o tesão pela mesma pessoa que se ama ou se convive há muito tempo é a forma de se manter fiel?
Regina Navarro Lins - O maior problema dos casamentos é o sexo. No casamento é onde menos se faz sexo. Há vários motivos. Podemos falar da excessiva familiaridade, excessiva intimidade, mas eu acredito que existe um grande vilão nesta história que ninguém fala: a exigência de exclusividade. O casamento se presta muito ao desenvolvimento de uma dependência emocional mútua. Isto porque, nós saímos do útero da mãe e somos tomados pelo sentimento de falta e desamparo. Além de vivermos em uma cultura onde se acena o tempo todo que vamos encontrar a alma gêmea, a outra metade da laranja, alguém que nos completa e outras mentiras do mito do amor romântico. Isto tudo como se você pudesse, na relação com outra pessoa, ficar livre desta sensação de abandono. Por isso repetimos o comportamento que temos quando somos crianças, de possessividade em relação à mãe para que ela não nos abandone. Se a mãe não der cuidados emocionais ou atenção, a criança morre. Quando o adulto cresce e entra na relação amorosa, ele reedita o mesmo vínculo primário que tinha com a mãe e se torna possessivo, ciumento, controlador. Então, no casamento as pessoas depositam um no outro a ideia de que não irão mais ficar sozinhas, desamparadas. Nisso se desenvolve a dependência emocional mútua. Se você sabe que o outro depende de você, que tem pavor de te perder, não há mais conquista ou sedução. A exigência de exclusividade acaba com isso, deixamos para amanhã… E vamos nos tornando amigos e irmãos e não tendo mais tesão.
Sul21 – As pessoas devem te perguntar a receita mágica de como ser feliz no amor. O que você responde?
Regina Navarro Lins - Pode ser ótimo se não tiver controle de um e de outro, liberdade de ir e vir, não ficar sabendo onde o outro anda e se está transando com outra pessoa. As pessoas respeitarem a liberdade um do outro. A questão da simbiose é só entre bebê e mãe. Não se pode reeditar isso na vida adulta. Se for reformulada as expectativas e não ficar controlando a vida do outro, se transou ou não transou com outra pessoa, é melhor. A exigência da exclusividade é algo que vira obsessão para as pessoas. A maioria das pessoas vivem com a neura dessa preocupação. A palavra traição, para mim, não tem nada a ver com relação extraconjugal. Ninguém tem que se preocupar se o parceiro transou ou não com alguém. Tem que ser perguntar: Eu me sinto amado(a)? Me sinto desejado(a)? Se a resposta for sim para as duas perguntas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito, não é da minha conta. Eu não tenho dúvida que as pessoas viveriam muito mais felizes e satisfeitas.
Sul21 – Pela pesquisa que a senhora fez para um de seus livros, 73% dos que responderam dizem ter desejo por sexo a três e 80% diz que não considera o casamento fundamental. Levando em conta que todos disseram a verdade, temos uma mostra de que a sociedade está se direcionando para relacionamentos mais liberais. Voltaremos à década de 60?
Regina Navarro Lins – A mentalidade começou a mudar depois da pílula anticoncepcional, mas em 60 e 70 ainda eram grupos pequenos a mudar a sua visão, era o movimento gay, movimento hippie, poucas pessoas. Eu acredito que, com o tempo, menos pessoas vão querer se fechar numa relação a dois e mais pessoas vão optar por relações múltiplas e variadas. A mudança das mentalidades é lenta e gradual. A exigência da exclusividade também está mudando. Como eu trabalho com isso eu fico atenta aos sinais. Observando as casas de swing, que aqui no Rio de Janeiro tem muitas e Porto Alegre também tem algumas. Eu inclusive fui conhecer o Sofazão, mas dei azar porque fui em um dia que só tinha três casais fazendo sexo em uma sala.
Tem pessoas que fazem terapia e também não contam. Vem se tratar comigo de forma paralela ao terapeuta. Isto é um sinal de que as mentalidades estão mudando. Assim como se tornou natural as moças não casarem virgem de uma época para outra, o que na década de 60 isso era impensável. Eu conheço uma moça que teve que fazer plástica na vagina para casar “virgem”.
A sociedade está preparada hoje para essa mudança? Eu digo que tanto quanto estava na época em que moças só casavam virgens. Quando olhamos, as coisas já aconteceram. A separação também era um escândalo. As mulheres separadas eram discriminadas, era um horror ser desquitada. O mesmo quando a Leila Diniz abriu caminho para a exposição das barrigas das grávidas. Tudo é um processo que só se percebe quando se conclui, aí está transformada a realidade.
Sul21 – Então, a senhora afirma que a monogamia está com dias contados?
Regina Navarro Lins - Eu não tenho a menor dúvida. Cada vez as pessoas começam a ter relações extraconjugais mais cedo e o número de mulheres que tem relações extraconjugais é igual aos homens, se não maior. Já atendi mulheres que têm o mesmo tempo de relação com o marido e com o amante há dez ou 20 anos. Só que não contam para ninguém. A diferença é que os homens contam, porque sempre foi permitido culturalmente a ele ter mais de uma mulher. A mulher não podia porque tudo estava relacionado à procriação. Quando o patriarcado surgiu, há cinco mil anos, surgiu a propriedade privada. As mulheres foram trancadas porque os homens tinham medo de deixar a herança para filhos de outros homens. Já eles podiam ter filhos com outras mulheres. Então, não tenho dúvida de que ainda vamos assistir a muitas mudanças, mas até a maioria das pessoas optarem por relações múltiplas levará 20 ou 30 anos. Não é algo para o próximo verão.
Sul21 – Isto significa dizer que outros valores constituídos pela sociedade conservadora também irão modificar, como o próprio casamento? Segundo o IBGE há um crescente no número de casamentos. Isso não é um sinal de que o amor romântico ainda é uma busca da humanidade?
Regina Navarro Lins – Quando eu fiz a minha pesquisa eu estudei estes dados do IBGE. Este crescimento é constituído por casamentos coletivos, sem cobrança de taxas, recasamentos e não o aumento decasamentos pela primeira vez. São dados gerais e variáveis. Eu aponto tendências. Haverá pessoas que vão continuar se casando. Mas eu acredito que cada vez mais pessoas vão se dar conta que é possível amar mais de uma pessoa. A grande vantagem do momento em que vivemos é cada um escolher a sua forma de viver. Não acho que tenhamos que substituir um modelo por outro, o importante é não ter modelo. A medida que os modelos tradicionais não forem servindo para as pessoas, elas vão poder escolher outras formas de viver. Se você quiser ficar numa relação durante 30 anos e só fazer sexo com essa pessoa, pode. Quem quiser três parceiros também pode. Eu aposto na liberdade como forma de viver.
Sul21 – De nove anos de site sobre amor e sexo você conseguiste fazer dois livros: “A Cama na Rede” e “Se Eu Fosse Você”. Como foi isso?
Regina Navarro Lins – O livro tem o nome da ideia do site, que era “Cama na Rede”. Na época, quando começou o boom da internet, um investidor me procurou porque desejava investir no site. O conteúdo era exclusivamente sobre relacionamento amoroso e sexual. Os dois livros foram links que fizeram muito sucesso na rede. Eu lançava perguntas de situações hipotéticas. A pergunta mais respondida foi se as pessoas tinham vontade de fazer sexo a três. Quase 1,5 mil pessoas responderam que sim. E eu lancei a pergunta devido aos inúmeros emails que eu recebia pedindo por este tema. Eu fiz dois livros a partir deste site, mas o conteúdo poderia gerar inúmeros livros.
Sul21 – O quanto e como a era da internet está influenciando nas transformações das relações amorosas e sexuais?
Regina Navarro Lins – A internet está mudando o mundo todo. As pessoas nem se dão conta das mudanças. Mas as relações têm mudanças absurdas, como as relações à distância sendo cultivadas de forma muito mais próxima. As redes sociais da internet estão no dia a dia do nosso trabalho, inclusive nas relações amorosas e sexuais. Na questão dos parceiros múltilplos tem a influência da internet. Você usa o chat para conversar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo e se você não gosta de qualquer coisa você deleta e acabou. Na vida real você sai para jantar com alguém para conhecê-lo e se ele for uma mala, você tem que esperar a noite toda para ir embora. Na internet não. Assim se transfere para a vida real.
Sul21 – Os desejos que expressamos diante da tela do computador são reais, mas nem sempre assumidos na vida fora do computador. Há de fato uma transferência do modo de se relacionar na internet para as relações presenciais?
Regina Navarro Lins – Isto vai sendo absorvido para a vida real. Mas não é só isso que influenciou para o desejo de ter relações múltiplas. O amor romântico surgiu no século 12 e nunca foi permitido no casamento. O amor entra como possibilidade no casamento no século 19, mas, passou a ser um fenômeno de massa a partir de 1940 quando todos passaram a querer casar por amor. A influência de Hollywood ajudou. O amor é uma construção social. Para o último livro que escrevi, O Livro do Amor, que será lançado em junho, pesquisei da Pré-História, passando por Grécia, Roma, Idade Média, Renascença, Iluminismo, Século XIX, Século XX, e século XXI. Serão dois volumes. O amor é uma construção social que muda conforme a época. Hoje, as pessoas vivem que o amor é sempre o mesmo, ou seja, amor romântico. Mas este tipo de amor só existe no Ocidente e está dando sinais de sair de cena. Hoje existe uma grande busca da individualidade e não tem a ver com egoísmo. As pessoas não estão a fim de abrir mão dos seus projetos pessoais. Então, o amor romântico prega exatamente o oposto disso: a fusão das almas gêmeas, os dois se transformarem em um só. A grande viagem do ser humano hoje é estar dentro de si mesmo. É saber das suas potencialidades. E o amor romântico prega que você se feche na relação com uma pessoa.
Regina Navarro Lins – Primeiro: o sexo é uma coisa muito boa e há dois mil anos é reprimidíssimo. Desde o advento do cristianismo é visto como algo sujo e, apesar das mudanças de hoje, ainda há muitos preconceitos. Há mulheres, por exemplo, que ficam de beijos ardentes, mas na hora de ir para cama dizem que não transam no primeiro encontro. Ela não transam não porque não estão com tesão, e sim por submissão ao homem, com medo de que ele não irá ligar no dia seguinte. E por ai vai. O sexo é usado para outros objetivos que não o prazer sexual. Continuidade da relação, conquistar alguma coisa. Enfim, a repressão ainda é grande. A internet rompe com alguns destes preconceitos. Antigamente os homens compravam as revistas Playboy como única possibilidade. Agora você tem tudo disponível na internet. Na medida em que o sexo começar a ser percebido como algo bom, natural, que faz bem, as pessoas irão fazer sexo de mais qualidade. Isto não impede que você de ter desejo de querer ver pessoas transando. E na internet você pode combinar de se relacionar em encontros casuais. Tem estudos que comprovam que as mulheres se excitam tanto quanto os homens ao ver os órgãos genitais dos homens.
Sul21 – Apesar das transformações da sociedade atual, a igualdade de gênero ainda é uma busca das mulheres. Há uma parcela feminina que ainda espera o homem abrir a porta do carro, pagar a conta do motel. Cavalheirismo e romantismo tem influência negativa para o feminismo?
Regina Navarro Lins – No meu livro, a pesquisa respondida pela internet mostra que 69% acham que as mulheres deveriam dividir a conta do motel. Eu tenho amigas psicanalistas falando que dividem tudo, menos a conta do motel. É uma ideia ainda que a mulher é objeto e o homem tem que pagar. É a origem da prostituição. As mulheres eram tão oprimidas que, com o seu corpo, satisfaziam as necessidades masculinas e ganhavam presentes em troca, roupas ou comida. Há mulheres que usam como argumento o fato de que elas já gastam com depilação e demais cuidados estéticos, então não devem dividir o motel. Quer dizer, as mulheres querem os benefícios da emancipação feminina e não querem o ônus dessa emancipação. Porque não dividir a despesa de motel se o homem e a mulher vão ter prazer?
Quanto ao cavalheirismo, é péssimo para a mulher. Gentileza é algo que homens e mulheres podem e devem ter. Agora, esperar que o homem abra porta do carro ou puxe a cadeira para a mulher sentar é reforçar a ideia de que a mulher é incompetente, afinal, foi assim que ela foi considerada durante milênios. Está embutida a ideia de que a mulher é inferior, frágil, que não pode administrar aspectos simples da vida.
Sul21 – O sexo e a moral ainda geram muitas contradições nas práticas da sociedade. Religiosos praticam pedofilia, pais de família buscam travestis nas calçadas, enfim. Porque sexo ainda é tão polêmico e mexe tanto com as pessoas?
Regina Navarro Lins – Por conta da repressão. Uma criança na nossa cultura nasce e cresce aprendendo que toda a ofensa está ligada a sexo. Não tem um xingamento que não seja ligado a sexo. Então, sempre quando se quer ofender alguém se fala de sexo. Já crescemos com o sexo como algo sujo. No caso da homossexualidade, durante muito tempo foi um preconceito horrível. A homossexualidade já foi considerada pecado, crime, doença. O século 18, a homossexualidade e a masturbação eram consideradas abomináveis. Em 1973, a associação médica americana tirou a homossexualidade da categoria de doença. Mas, ficou arraigado a ideia de que tudo que não levasse a procriação era pecado. A pílula anticoncepcional dissociou o sexo da procriação e o aliou ao prazer. Até o movimento gay se beneficiou com a pílula, na medida em que a prática hétero e homo se aproximaram, ambas visando o prazer. Mas, tudo é um processo. Ainda estamos caminhando. Tem muito preconceito, mas os gays já ganharam mais espaço e vão ganhar mais ainda. Acredito que a tendência seja a bissexualidade. O patriarcado dividiu a humanidade em duas partes: o masculino e o feminino. O ideal masculino é força, sucesso, poder, coragem, ousadia. Mulheres, por outro lado, são doces, meigas, cordatas, submissas. Na derrocada do patriarcado com a chegada da pílula, onde as mulheres passam a gerenciar a reprodução, houve o golpe fatal nesse sistema, que a partir daí começou a desmoronar. Hoje, nós queremos ser o todo. Todos somos fortes e fracos, corajosos e medrosos, passivos e ativos. Não queremos ser só um lado. O homem quer chorar, falar de emoções. Mulheres querem ser fortes. As pessoas querem ser o todo e não mais mutiladas. Acredito que daqui algumas décadas a escolha do objeto amoroso será pelas características de personalidade e não mais se é homem ou mulher.
Sul21 – Qual o conselho que você dá para que as pessoas não se submetam à moral imposta e consigam viver o mais possível em sintonia com seu desejo?
Regina Navarro Lins – É fundamental que as pessoas reflitam a respeito dos valores e das crenças aprendidas e, aos poucos, irem deletando o moralismo e os preconceitos. Isso, se você quiser viver bem. Mas, para viver bem, ter que ter coragem.
Há no mínimo cinco mil anos o sexo é algo reprimido na sociedade. Em pleno século 21, diante do aumento da exposição da intimidade e das preferências sexuais, o tema ainda mexe com valores culturais e morais a ponto de manter preconceitos. Psicanalista há 38 anos e autora de mais de dez livros sobre o assunto, a carioca Regina Navarro Lins conversou sobre amor e sexo com o Sul21.
Para a psicanalista, os valores tradicionais de relacionamento não estão dando mais respostas satisfatórias e, com isso, se abre espaço para uma nova forma de viver. “Daqui algumas décadas a escolha do objeto amoroso será pelas características de personalidade e não mais pelo gênero homem ou mulher”, diz. Ela afirma, ainda, que o cavalheirismo é um retrocesso para o feminismo, uma vez que reforça a ideia de que a mulher é frágil e incompetente, necessitando de proteção do homem.
Com nove anos de site sobre relações amorosas e sexuais, ela recortou os principais desejos da maioria das pessoas e defende que traição não está relacionado a relações extraconjugais. “Eu não tenho dúvida, que as pessoas viveriam muito mais felizes e satisfeitas se elas entendessem que o que o outro faz quando não está comigo e não me diz respeito”, afirma.
Sul21 – A senhora tem dez livros sobre amor e sexo. Está prestes a lançar mais um este ano. Como você diferencia o amor e o sexo, já que da atração sexual surgem amores, assim como, pessoas podem amar outras que inicialmente não se sentiam atraídos?
Regina Navarro Lins – Amor e sexo são totalmente distintos. Você pode sentir tesão por alguém e não sentir amor por esta pessoa. Não necessariamente do tesão nasce o amor. Pode acontecer. Assim como você pode amar alguém e não ter tesão por esta pessoa. Isso acontece em muito casamentos. As pessoas se amam, gostam de estar juntas e ter projetos a dois e uma vida conjunta, mas não sentem tesão um pelo outro. Por isso, digo que são duas coisas totalmente distintas.
Sul21 – Manter o tesão pela mesma pessoa que se ama ou se convive há muito tempo é a forma de se manter fiel?
Regina Navarro Lins - O maior problema dos casamentos é o sexo. No casamento é onde menos se faz sexo. Há vários motivos. Podemos falar da excessiva familiaridade, excessiva intimidade, mas eu acredito que existe um grande vilão nesta história que ninguém fala: a exigência de exclusividade. O casamento se presta muito ao desenvolvimento de uma dependência emocional mútua. Isto porque, nós saímos do útero da mãe e somos tomados pelo sentimento de falta e desamparo. Além de vivermos em uma cultura onde se acena o tempo todo que vamos encontrar a alma gêmea, a outra metade da laranja, alguém que nos completa e outras mentiras do mito do amor romântico. Isto tudo como se você pudesse, na relação com outra pessoa, ficar livre desta sensação de abandono. Por isso repetimos o comportamento que temos quando somos crianças, de possessividade em relação à mãe para que ela não nos abandone. Se a mãe não der cuidados emocionais ou atenção, a criança morre. Quando o adulto cresce e entra na relação amorosa, ele reedita o mesmo vínculo primário que tinha com a mãe e se torna possessivo, ciumento, controlador. Então, no casamento as pessoas depositam um no outro a ideia de que não irão mais ficar sozinhas, desamparadas. Nisso se desenvolve a dependência emocional mútua. Se você sabe que o outro depende de você, que tem pavor de te perder, não há mais conquista ou sedução. A exigência de exclusividade acaba com isso, deixamos para amanhã… E vamos nos tornando amigos e irmãos e não tendo mais tesão.
O amor romântico é calcado na idealização. Você olha para uma pessoa e vê nela algo que ela não é e passa a vida tentando transformá-la.
Para você viver uma relação amorosa e um bom casamento, as pessoas precisam reformular as expectativas que elas alimentam a respeito da vida a dois. Regidos pelo mito amor romântico, as pessoas acreditam que vão se transformar numa só, que todas as necessidades serão satisfeitas pelo outro, que quem ama não tem tesão por mais ninguém, que só se tem olhos para o companheiro. Aí se abandona os amigos e outros interesses.Sul21 – As pessoas devem te perguntar a receita mágica de como ser feliz no amor. O que você responde?
Regina Navarro Lins - Pode ser ótimo se não tiver controle de um e de outro, liberdade de ir e vir, não ficar sabendo onde o outro anda e se está transando com outra pessoa. As pessoas respeitarem a liberdade um do outro. A questão da simbiose é só entre bebê e mãe. Não se pode reeditar isso na vida adulta. Se for reformulada as expectativas e não ficar controlando a vida do outro, se transou ou não transou com outra pessoa, é melhor. A exigência da exclusividade é algo que vira obsessão para as pessoas. A maioria das pessoas vivem com a neura dessa preocupação. A palavra traição, para mim, não tem nada a ver com relação extraconjugal. Ninguém tem que se preocupar se o parceiro transou ou não com alguém. Tem que ser perguntar: Eu me sinto amado(a)? Me sinto desejado(a)? Se a resposta for sim para as duas perguntas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito, não é da minha conta. Eu não tenho dúvida que as pessoas viveriam muito mais felizes e satisfeitas.
Sul21 – Pela pesquisa que a senhora fez para um de seus livros, 73% dos que responderam dizem ter desejo por sexo a três e 80% diz que não considera o casamento fundamental. Levando em conta que todos disseram a verdade, temos uma mostra de que a sociedade está se direcionando para relacionamentos mais liberais. Voltaremos à década de 60?
Regina Navarro Lins – A mentalidade começou a mudar depois da pílula anticoncepcional, mas em 60 e 70 ainda eram grupos pequenos a mudar a sua visão, era o movimento gay, movimento hippie, poucas pessoas. Eu acredito que, com o tempo, menos pessoas vão querer se fechar numa relação a dois e mais pessoas vão optar por relações múltiplas e variadas. A mudança das mentalidades é lenta e gradual. A exigência da exclusividade também está mudando. Como eu trabalho com isso eu fico atenta aos sinais. Observando as casas de swing, que aqui no Rio de Janeiro tem muitas e Porto Alegre também tem algumas. Eu inclusive fui conhecer o Sofazão, mas dei azar porque fui em um dia que só tinha três casais fazendo sexo em uma sala.
As pessoas não assumem moralmente seus desejos, mas os tem
Eu trabalho com casais no consultório. E você não imagina a quantidade de casais que chegam com aparência de conservadores, com filho pequeno e que todo final de semana vai para casas de swing. Neste caso específico, a mulher transa mais que o homem com outras pessoas. Tem outro casal, uma médica de 39 anos e um marido de 35, que planejam ter filhos e tudo, e que ele insiste que ela vá em uma casa de swing, diz que quer ver ela com outro homem. Mas estas pessoas jamais contaram isso para amigos. Então, de repente a pessoa que trabalha ao teu lado aí na redação pode ter estes desejos e você nem imagina olhando para ele. Entendeu como funciona? (risos)Tem pessoas que fazem terapia e também não contam. Vem se tratar comigo de forma paralela ao terapeuta. Isto é um sinal de que as mentalidades estão mudando. Assim como se tornou natural as moças não casarem virgem de uma época para outra, o que na década de 60 isso era impensável. Eu conheço uma moça que teve que fazer plástica na vagina para casar “virgem”.
A sociedade está preparada hoje para essa mudança? Eu digo que tanto quanto estava na época em que moças só casavam virgens. Quando olhamos, as coisas já aconteceram. A separação também era um escândalo. As mulheres separadas eram discriminadas, era um horror ser desquitada. O mesmo quando a Leila Diniz abriu caminho para a exposição das barrigas das grávidas. Tudo é um processo que só se percebe quando se conclui, aí está transformada a realidade.
Sul21 – Então, a senhora afirma que a monogamia está com dias contados?
Regina Navarro Lins - Eu não tenho a menor dúvida. Cada vez as pessoas começam a ter relações extraconjugais mais cedo e o número de mulheres que tem relações extraconjugais é igual aos homens, se não maior. Já atendi mulheres que têm o mesmo tempo de relação com o marido e com o amante há dez ou 20 anos. Só que não contam para ninguém. A diferença é que os homens contam, porque sempre foi permitido culturalmente a ele ter mais de uma mulher. A mulher não podia porque tudo estava relacionado à procriação. Quando o patriarcado surgiu, há cinco mil anos, surgiu a propriedade privada. As mulheres foram trancadas porque os homens tinham medo de deixar a herança para filhos de outros homens. Já eles podiam ter filhos com outras mulheres. Então, não tenho dúvida de que ainda vamos assistir a muitas mudanças, mas até a maioria das pessoas optarem por relações múltiplas levará 20 ou 30 anos. Não é algo para o próximo verão.
Sul21 – Isto significa dizer que outros valores constituídos pela sociedade conservadora também irão modificar, como o próprio casamento? Segundo o IBGE há um crescente no número de casamentos. Isso não é um sinal de que o amor romântico ainda é uma busca da humanidade?
Regina Navarro Lins – Quando eu fiz a minha pesquisa eu estudei estes dados do IBGE. Este crescimento é constituído por casamentos coletivos, sem cobrança de taxas, recasamentos e não o aumento decasamentos pela primeira vez. São dados gerais e variáveis. Eu aponto tendências. Haverá pessoas que vão continuar se casando. Mas eu acredito que cada vez mais pessoas vão se dar conta que é possível amar mais de uma pessoa. A grande vantagem do momento em que vivemos é cada um escolher a sua forma de viver. Não acho que tenhamos que substituir um modelo por outro, o importante é não ter modelo. A medida que os modelos tradicionais não forem servindo para as pessoas, elas vão poder escolher outras formas de viver. Se você quiser ficar numa relação durante 30 anos e só fazer sexo com essa pessoa, pode. Quem quiser três parceiros também pode. Eu aposto na liberdade como forma de viver.
Sul21 – De nove anos de site sobre amor e sexo você conseguiste fazer dois livros: “A Cama na Rede” e “Se Eu Fosse Você”. Como foi isso?
Regina Navarro Lins – O livro tem o nome da ideia do site, que era “Cama na Rede”. Na época, quando começou o boom da internet, um investidor me procurou porque desejava investir no site. O conteúdo era exclusivamente sobre relacionamento amoroso e sexual. Os dois livros foram links que fizeram muito sucesso na rede. Eu lançava perguntas de situações hipotéticas. A pergunta mais respondida foi se as pessoas tinham vontade de fazer sexo a três. Quase 1,5 mil pessoas responderam que sim. E eu lancei a pergunta devido aos inúmeros emails que eu recebia pedindo por este tema. Eu fiz dois livros a partir deste site, mas o conteúdo poderia gerar inúmeros livros.
Sul21 – O quanto e como a era da internet está influenciando nas transformações das relações amorosas e sexuais?
Regina Navarro Lins – A internet está mudando o mundo todo. As pessoas nem se dão conta das mudanças. Mas as relações têm mudanças absurdas, como as relações à distância sendo cultivadas de forma muito mais próxima. As redes sociais da internet estão no dia a dia do nosso trabalho, inclusive nas relações amorosas e sexuais. Na questão dos parceiros múltilplos tem a influência da internet. Você usa o chat para conversar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo e se você não gosta de qualquer coisa você deleta e acabou. Na vida real você sai para jantar com alguém para conhecê-lo e se ele for uma mala, você tem que esperar a noite toda para ir embora. Na internet não. Assim se transfere para a vida real.
Sul21 – Os desejos que expressamos diante da tela do computador são reais, mas nem sempre assumidos na vida fora do computador. Há de fato uma transferência do modo de se relacionar na internet para as relações presenciais?
Regina Navarro Lins – Isto vai sendo absorvido para a vida real. Mas não é só isso que influenciou para o desejo de ter relações múltiplas. O amor romântico surgiu no século 12 e nunca foi permitido no casamento. O amor entra como possibilidade no casamento no século 19, mas, passou a ser um fenômeno de massa a partir de 1940 quando todos passaram a querer casar por amor. A influência de Hollywood ajudou. O amor é uma construção social. Para o último livro que escrevi, O Livro do Amor, que será lançado em junho, pesquisei da Pré-História, passando por Grécia, Roma, Idade Média, Renascença, Iluminismo, Século XIX, Século XX, e século XXI. Serão dois volumes. O amor é uma construção social que muda conforme a época. Hoje, as pessoas vivem que o amor é sempre o mesmo, ou seja, amor romântico. Mas este tipo de amor só existe no Ocidente e está dando sinais de sair de cena. Hoje existe uma grande busca da individualidade e não tem a ver com egoísmo. As pessoas não estão a fim de abrir mão dos seus projetos pessoais. Então, o amor romântico prega exatamente o oposto disso: a fusão das almas gêmeas, os dois se transformarem em um só. A grande viagem do ser humano hoje é estar dentro de si mesmo. É saber das suas potencialidades. E o amor romântico prega que você se feche na relação com uma pessoa.
O amor romântico dá sinais de que irá sair de cena e irá levar com ele uma das suas características básicas: a exclusividade sexual.
Sul21 – O sexo é uma das coisas mais procuradas na internet. Que análise a senhora faz desta relação de procura e oferta?Regina Navarro Lins – Primeiro: o sexo é uma coisa muito boa e há dois mil anos é reprimidíssimo. Desde o advento do cristianismo é visto como algo sujo e, apesar das mudanças de hoje, ainda há muitos preconceitos. Há mulheres, por exemplo, que ficam de beijos ardentes, mas na hora de ir para cama dizem que não transam no primeiro encontro. Ela não transam não porque não estão com tesão, e sim por submissão ao homem, com medo de que ele não irá ligar no dia seguinte. E por ai vai. O sexo é usado para outros objetivos que não o prazer sexual. Continuidade da relação, conquistar alguma coisa. Enfim, a repressão ainda é grande. A internet rompe com alguns destes preconceitos. Antigamente os homens compravam as revistas Playboy como única possibilidade. Agora você tem tudo disponível na internet. Na medida em que o sexo começar a ser percebido como algo bom, natural, que faz bem, as pessoas irão fazer sexo de mais qualidade. Isto não impede que você de ter desejo de querer ver pessoas transando. E na internet você pode combinar de se relacionar em encontros casuais. Tem estudos que comprovam que as mulheres se excitam tanto quanto os homens ao ver os órgãos genitais dos homens.
Sul21 – Apesar das transformações da sociedade atual, a igualdade de gênero ainda é uma busca das mulheres. Há uma parcela feminina que ainda espera o homem abrir a porta do carro, pagar a conta do motel. Cavalheirismo e romantismo tem influência negativa para o feminismo?
Regina Navarro Lins – No meu livro, a pesquisa respondida pela internet mostra que 69% acham que as mulheres deveriam dividir a conta do motel. Eu tenho amigas psicanalistas falando que dividem tudo, menos a conta do motel. É uma ideia ainda que a mulher é objeto e o homem tem que pagar. É a origem da prostituição. As mulheres eram tão oprimidas que, com o seu corpo, satisfaziam as necessidades masculinas e ganhavam presentes em troca, roupas ou comida. Há mulheres que usam como argumento o fato de que elas já gastam com depilação e demais cuidados estéticos, então não devem dividir o motel. Quer dizer, as mulheres querem os benefícios da emancipação feminina e não querem o ônus dessa emancipação. Porque não dividir a despesa de motel se o homem e a mulher vão ter prazer?
Quanto ao cavalheirismo, é péssimo para a mulher. Gentileza é algo que homens e mulheres podem e devem ter. Agora, esperar que o homem abra porta do carro ou puxe a cadeira para a mulher sentar é reforçar a ideia de que a mulher é incompetente, afinal, foi assim que ela foi considerada durante milênios. Está embutida a ideia de que a mulher é inferior, frágil, que não pode administrar aspectos simples da vida.
Sul21 – O sexo e a moral ainda geram muitas contradições nas práticas da sociedade. Religiosos praticam pedofilia, pais de família buscam travestis nas calçadas, enfim. Porque sexo ainda é tão polêmico e mexe tanto com as pessoas?
Regina Navarro Lins – Por conta da repressão. Uma criança na nossa cultura nasce e cresce aprendendo que toda a ofensa está ligada a sexo. Não tem um xingamento que não seja ligado a sexo. Então, sempre quando se quer ofender alguém se fala de sexo. Já crescemos com o sexo como algo sujo. No caso da homossexualidade, durante muito tempo foi um preconceito horrível. A homossexualidade já foi considerada pecado, crime, doença. O século 18, a homossexualidade e a masturbação eram consideradas abomináveis. Em 1973, a associação médica americana tirou a homossexualidade da categoria de doença. Mas, ficou arraigado a ideia de que tudo que não levasse a procriação era pecado. A pílula anticoncepcional dissociou o sexo da procriação e o aliou ao prazer. Até o movimento gay se beneficiou com a pílula, na medida em que a prática hétero e homo se aproximaram, ambas visando o prazer. Mas, tudo é um processo. Ainda estamos caminhando. Tem muito preconceito, mas os gays já ganharam mais espaço e vão ganhar mais ainda. Acredito que a tendência seja a bissexualidade. O patriarcado dividiu a humanidade em duas partes: o masculino e o feminino. O ideal masculino é força, sucesso, poder, coragem, ousadia. Mulheres, por outro lado, são doces, meigas, cordatas, submissas. Na derrocada do patriarcado com a chegada da pílula, onde as mulheres passam a gerenciar a reprodução, houve o golpe fatal nesse sistema, que a partir daí começou a desmoronar. Hoje, nós queremos ser o todo. Todos somos fortes e fracos, corajosos e medrosos, passivos e ativos. Não queremos ser só um lado. O homem quer chorar, falar de emoções. Mulheres querem ser fortes. As pessoas querem ser o todo e não mais mutiladas. Acredito que daqui algumas décadas a escolha do objeto amoroso será pelas características de personalidade e não mais se é homem ou mulher.
Sul21 – Qual o conselho que você dá para que as pessoas não se submetam à moral imposta e consigam viver o mais possível em sintonia com seu desejo?
Regina Navarro Lins – É fundamental que as pessoas reflitam a respeito dos valores e das crenças aprendidas e, aos poucos, irem deletando o moralismo e os preconceitos. Isso, se você quiser viver bem. Mas, para viver bem, ter que ter coragem.
Sintonia Fina
-Sul21
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