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Grande parte da mídia
brasileira se especializou em falar mal do Brasil. Graças a isso, a percepção
que a sociedade tem de si mesma, em diversos aspectos, é inteiramente
equivocada. Vende-se algo que não existe: a visão de que somos piores em quase
tudo, quando comparados com a maioria dos países desenvolvidos. Nem mesmo as
boas notícias são recebidas de maneira positiva. Por exemplo, a recente
informação de que ultrapassamos o Reino Unido quanto ao PIB foi divulgada cheia
de ressalvas, afirmando-se que o PIB per capita é um indicador mais relevante e
coisas do gênero.
A covardia com o Brasil
atinge o ápice quando se tenta comparar nosso sistema político com o dos outros
países. Afirma-se que o presidencialismo é pior do que o parlamentarismo, mas
não dizem que os países parlamentaristas têm gastos públicos sistematicamente
maiores do que os presidencialistas e que é justamente por isso que a Europa se
encontra mergulhada na pior crise econômica de sua história recente. Diz-se que
o sistema eleitoral distrital é melhor do que o proporcional com lista aberta,
mas não dizem que um dos países que melhor escapou da crise mundial é a Suécia,
que adota o mesmo sistema eleitoral que o nosso tão criticado Brasil. Como
sempre, a lista de críticas ao Brasil é muito longa. É difícil imaginar como um
país tão ruim, com tantas coisas negativas, possa ter chegado aonde chegou. Opa,
para os críticos ele não chegou a lugar algum, continua lá atrás, sendo um dos
países mais problemáticos do mundo.
A crítica permanente ao Brasil está fundamentada em excesso de
provincianismo: como não se conhece o que acontece em outros lugares, assume-se
que aquilo que conhecemos de muito perto, em detalhes, é muito ruim. A greve dos
policiais da Bahia e a desordem e criminalidade resultantes é um prato cheio
para a frase típica dos que sofrem de complexo de inferioridade: “Isso só
acontece no Brasil”. É possível ver o outro lado da moeda, o lado positivo. A
greve dos policiais baianos será resolvida de uma forma inteiramente diferente
de greves congêneres que ocorrem nos Estados Unidos. Ao contrário de nosso
vizinho mais rico, aqui não será dado um aumento salarial que comprometa a
situação de nossas finanças públicas.
É isso mesmo. Para
aqueles que não sabem, vários estados e municípios norte-americanos estão
quebrados porque concederam aumentos salariais a perder de vista para policiais
e bombeiros. Esse é o caso, tão bem relatado por Michael Lewis em seu livro
Bumerangue, recentemente publicado no Brasil, da Califórnia e dos
municípios de San Jose e Vallejo. Aqueles que idolatram o federalismo
norte-americano deveriam saber que justamente por isso lá não há nada que se
assemelhe a nossa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Governadores e prefeitos
estão livres para exercer sua prerrogativa de gastar muito, endividar o setor
público ao ponto de comprometer seu funcionamento para as futuras gerações. Não
serve aqui o argumento em abstrato, o princípio teórico, de que descentralizar é
necessariamente melhor do que centralizar.
Os policiais da Bahia e
de outros estados estão limitados pela nossa centralização, que se traduz na
possibilidade de ter algo como a LRF. Mais do que isso, a simples discussão ora
em curso sobre a PEC 300, um sinal evidente de nossa centralização, mostra que
jamais nossos Estados ou municípios ficarão na situação, como é o caso de
Vallejo, de ter somente um funcionário público, aquele que tem como função pagar
os salários, aposentadorias e pensões de policiais e bombeiros. Isso mesmo, em
Vallejo, os sinais de trânsito estão todos piscando permanentemente em amarelo.
O município, falido, não tem recursos para sustentar uma burocracia que faça
valer as leis de trânsito. Isso jamais ocorreu ou ocorrerá no
Brasil.
Na Grécia, não há cartões
de crédito na grande maioria dos estabelecimentos comerciais. A razão é simples:
o pagamento em dinheiro vivo está a serviço da mais fácil e completa sonegação
de impostos. Não adianta dizer que os gregos são uma piada e isso e aquilo.
Sempre foi assim, desde o momento em que a Alemanha aceitou a entrada da Grécia
no acordo que estabeleceu o euro. Os gregos vão muito além de não utilizar
cartões de crédito. Em ano eleitoral, o governo relaxa o controle fiscal, faz
vista grossa para o não pagamento de impostos. É muito interessante que o Brasil
seja tão ruim, mas que um país europeu utilize o (não) pagamento de impostos
como moeda de troca eleitoral. Cá entre nós, comprar votos em comunidades pobres
é muito mais redistributivo. Nosso sistema de controle fiscal pode não ser
germânico, mas certamente temos uma burocracia muito mais avançada do que muitos
países europeus. Os críticos contumazes do Brasil não sabem disso, são
provincianos demais para imaginar que algum país supostamente desenvolvido possa
não controlar o pagamento de impostos, como se faz na nação de
Macunaíma.
Aliás, nada mais distante
do espírito germânico do que Macunaíma, nosso herói sem caráter. Ele é um
retrato da nossa incredulidade. O brasileiro jamais acredita no que se diz. Essa
credulidade alemã não faz parte de nossa cultura. Foi graças a isso que os
alemães sempre acharam que a Grécia estava cumprido as metas de gastos definidas
pelo Ttratado de Maastricht. Um burocrata ou um ministro da Fazenda brasileiro
jamais confiaria na Grécia quanto a isso.
O livro Bumerangue
é um excelente antídoto para o excesso de pessimismo quanto ao Brasil. Michael
Lewis mostra que nos Estados Unidos, Grécia, Islândia, Irlanda e Alemanha
aconteceram e acontecem coisas terríveis, que jamais atingiram e provavelmente
nunca farão parte de nossa realidade. É claro que temos coisas ruins e
abomináveis, mas isso está longe de ser o cenário catastrófico pintado pelos
críticos. Todo país e toda sociedade têm problemas, mas também não somos piores
do que os outros em tudo ou quase tudo.
Os alemães de Lewis são
crédulos ao ponto de serem os únicos que, já com a crise no horizonte,
continuavam comprando os papéis do subprime em Wall Street. Aliás, quando um
trader norte-americano tinha dificuldade para vender tais papéis, recebia
invariavelmente a seguinte recomendação: “Venda para aqueles otários de
Dusseldorf, que eles compram de tudo”. Não creio que algum dia será possível
trocar otários de Dusseldorf por otários de São Paulo ou do Rio de Janeiro, e
muito menos de Brasília.
Os brasileiros acreditam
em coisas mágicas como o boto da Amazônia ou o nêgo d’água em Minas Gerais.
Ambos cumprem o mesmo papel de justificar, em uma sociedade conservadora, a
gravidez de mulheres solteiras ou a traição das casadas. Isso causa muito menos
prejuízo aos cofres públicos do que os duendes nos quais acreditam. Isso mesmo,
na Islândia se acredita em duendes e quando uma empresa como a Alcoa foi se
instalar por lá teve que aguardar por seis meses, até que fosse concluído um
estudo que verificaria que em determinada área não havia duendes. É a mesma
Islândia que transformou dezenas de pescadores em banqueiros. Isso mesmo, os
banqueiros islandeses tinham sido pescadores durante toda sua vida
profissional.
Mais do que isso, David
Oddsson, que foi primeiro-ministro e presidente do Banco Central islandês, nunca
teve experiência alguma com bancos e era poeta de formação. Talvez por isso os
bancos alemães tenham colocado US$21 bilhões na Islândia, a Holanda tenha
apostado US$305 milhões, o Reino Unido US$30 bilhões e a Universidade de Oxford
tenha perdido US$50 milhões. No Brasil, é impensável que alguém que não tenha
familiaridade com o mercado financeiro assuma a presidência do Banco Central.
Mesmo assim, há aqueles que insistem em criticar tudo ou quase
tudo.
Trata-se de uma questão
de ponto de vista, de como olhamos o Brasil. O exemplo da centralização é
emblemático. Não há nada necessariamente melhor em ser tão descentralizados como
são os Estados Unidos. Uma postura cética indica que o que melhor e pior, o
benéfico e maléfico, dependerão das consequências. A comparação entre os gastos
com funcionários públicos estaduais e federais no Brasil e nos Estados Unidos
mostra que a centralização política e administrativa tem sido mais efetiva para
conter seu descalabro. Indo além, ser um pouco macunaímico quando se trata de
comprar papéis do subprime teria sido bom para os germânicos. Nada disso se
escolhe: são coisas que as nações são ou não são. Ultimamente, temos sido os
grandes beneficiários de ser como somos.
Sintonia Fina - Alberto Carlos Almeida
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