12 de jan. de 2012

Por trás da ação na Cracolândia, eleições e especulação imobiliária

Juliana Sada
A ação da prefeitura e do governo de São Paulo na chamada Cracolândia completa oito dias sob intensa contestação. Promotores do Ministério Público Estadual a chamaram de “desastrosa” e abriram um inquérito para apurar “objetivos, responsabilidades e eventuais atos de violência” da operação. 
Para o jurista Wálter Maierovitch, “a tortura indireta posta em prática pela dupla Kassab-Alckmin tem o mesmo fundamento dos campos de concentração nazista”.




A operação foi criticada também por profissionais da área de saúde que discordam que a “dor e o sofrimento” levará os dependentes buscarem ajuda – como disse Luiz Alberto Chaves de Oliveira, coordenador na Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania – ao contrário a abstinência os tornará violentos. Agora, surgem denúncias de que não há estrutura suficiente para receber os dependentes químicos na saúde pública.
Organizações sociais denunciam que está ocorrendo uma “higienização” da região por conta do “Projeto Nova Luz”, da prefeitura paulistana que pretende “requalificar” a região com empreendimentos imobiliários. Além disso, moradores de bairros vizinhos, como o nobre Higienópolis, passaram a reclamar devido à presença dos usuários de crack que agora estão perambulando pela região.
Para discutir o assunto, o Escrevinhador conversou com o advogado Rodolfo de Almeida Valente, que é coordenador do Instituto Práxis de Direitos Humanos, entidade que tem acompanhado a operação e denunciado os abusos policiais.
Você esteve na Cracolândia nesta madrugada, do dia 11, o que mais te chamou a atenção nessa visita?
Sem dúvida, o que mais me sensibilizou foi o estado de total desamparo daquelas pessoas. Com exceção do brilhante trabalho realizado pela Defensoria Pública de monitoramento da ação policial e de aproximação com essa população, apenas pudemos divisar dezenas de viaturas tocando as pessoas para lá e para cá como se fossem gado. Um dos jovens com quem conversamos nos indagou: “A gente já sofre por ser usuário de crack e agora tem que aguentar esculacho da polícia? Não precisava, né?”. Ele tem razão. Não precisava disso, mas é assim que esse Governo vem tratando seus cidadãos mais vulneráveis.
Foram divulgadas denúncias de tortura e violência contra os usuários de crack na região. Você se deparou com alguma situação de abuso policial?
Vimos, em umas três oportunidades, viaturas avançando sobre a calçada para dispersá-los. Ouvimos muitos relatos de usuárias e usuários de crack segundo os quais houve agressões, tortura e vários outros abusos, mas, na nossa presença, os policiais não ousavam sequer abordá-los. Sempre que chegávamos a algum ponto, os policiais se afastavam para outro. A julgar apenas pelo que presenciamos, o que fica claro é que a operação, ao perturbar essa população por horas a fio, pode sim ser configurada como caso de tortura.
Os abusos são fruto de ações individuais de policiais ou fazem parte da maneira de agir da PM? Como coibir isso e responsabilizar os culpados?
Do que vimos, parece que a ação é orquestrada mesmo. Com a intenção de dispersar essa população, os policiais os empurravam de um lado para o outro daqueles arredores, lançando mão das próprias viaturas, de lanternas e, segundo diversos relatos, até mesmo de violência. Ouvimos denúncias de que os policiais utilizaram gás de pimenta e chegaram a agredir várias pessoas. Chegamos a encontrar um rapaz com o pulso completamente rasgado, segundo ele, por uma mordida de um cão da PM. Há relatos também de que houve atropelamentos propositais.
É muito difícil encontrar os responsáveis. Orientamos a população para que tome nota de placa de viaturas, nome de policiais, local, etc. A Defensoria Pública tem sido muito zelosa na coleta dos relatos e já registrou alguns boletins de ocorrência. Cabe agora ao Ministério Público, por atribuição legal, correr atrás dessas provas para apurar e responsabilizar os agentes policiais que cometeram esses crimes.
A Rota passou a fazer parte das operações na Cracolância. Isso sinaliza um possível aumento na violência?
A Rota, apesar de corresponder a menos do que 0,5% de todo efetivo da Polícia Militar, é responsável por 20% dos homicídios cometidos por policiais dessa corporação. O seu atual comandante, nomeado recentemente pelo Governador, teve participação direta no Massacre do Carandiru. Por essas razões, tudo indica que a participação da Rota aumentará sensivelmente os abusos e a violência da operação.
Em um relato, o Instituto Práxis afirma que o problema não é o crack mas sim a Cracolândia. Poderia explicar melhor isso?
É nítido que a ação da PM tem muito menos a ver com o tráfico e o uso de crack do que com a extinção do símbolo da Cracolândia. A manobra é eleitoreira e pretende apenas a consecução simbólica do “fim” da Cracolândia. Observamos que os policiais passavam batido por diversos usuários e traficantes que permaneciam isolados em algum canto da Cracolândia. Bastava, no entanto, a aglomeração de algumas dezenas de usuários para aparecer uma viatura e “tocá-los”.
Até o momento, o Estado se fez presente na Cracolândia apenas pelo uso da força. Como o Estado deveria agir?
Se houvesse real comprometimento com a saúde dessas pessoas reféns do crack, o Estado providenciaria uma rede estruturada de atendimento e acompanhamento para aqueles que querem superar o vício, com uma política também voltada para a redução de danos. Da maneira como o Estado tem agido, parece óbvio que os reais interesses não têm nada a ver com a saúde dessas pessoas. Tais interesses perpassam, na realidade, pela higienização do Centro, atendendo à ganância daqueles que se fartam com a especulação imobiliária e que financiam campanhas justamente para isso.
Sintonia Fina
via Com Texto Livre

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