Extraído do JB online:
É preciso separar os poderes
por Mauro Santayana
Escolher os inimigos,
aconselhava Benedito Valadares, é mais importante do que selecionar os
amigos. Não se faz política sem causar rancores, embora a unanimidade
popular seja a utopia dos homens públicos. O líder de um partido, ou o
administrador público, ao fazer escolhas, beneficia uns e prejudica
outros. O seu critério pode ser o da defesa do bem público, ou não,
dependendo de sua construção ética. Mas sempre que beneficia alguém – o
que não significa que tenha assegurado fidelidade futura – prejudica o
seu rival na corrida pelo poder. Daí o conselho do lendário chefe
político montanhês: é mais difícil escolher o inimigo, do que o amigo.
A maior dificuldade da política
reside na busca do equilíbrio entre a ética e a prática do poder.
Fernando Henrique, apoiando-se em Max Weber, aludiu a uma ética da
responsabilidade, que absolveria os homens públicos. Talvez com isso, o
então presidente estaria justificando as manobras de seu competente
auxiliar nesses assuntos, o ex-militante de esquerda Sérgio Motta,
encarregado de lubrificar as relações com o Parlamento. Em suma, ao
considerar necessária, em sua avaliação e em sua conveniência pessoal,
as emendas que lhe permitiram a prazerosa reeleição e a venda dos bens
do povo aos empreendedores privados, muitos deles estrangeiros, o
presidente se valia da ética weberiana da responsabilidade. Como depois
se constatou, não se tratava exatamente da ética, mas de sua
contrafação.
Só há um momento em que o
critério da necessidade se impõe aos conceitos habituais do que
conhecemos como ética: a salvação da vida de cada um de nós e das
sociedades nacionais. A legítima defesa, diante do perigo, não nos
permite escolhas. Temos que vencer o inimigo que nos ataca, usando de
todos os meios possíveis. Fora disso, podemos admitir a astúcia nas
relações políticas internas, mas isso não significa aceitar como normal
a corrupção, o suborno, a concussão.
O problema da governabilidade,
no Brasil, está associado à invertebrada estrutura institucional. A
administração do Estado se divide em feudos, entregues a grupos de
interesses que se reúnem sob falsas bandeiras partidárias. Esses grupos,
que se servem das bancadas parlamentares a eles associadas, ocupam os
ministérios de seu interesse, recrutam os indicados pelos seus
correligionários para ocupar os cargos administrativos e se consideram,
assim, condôminos do poder executivo. O chefe do poder executivo se vê
constrangido a aceitar a deformação e, em alguns casos, a fechar os
olhos, a fim de manter a maioria parlamentar de que necessita, e
realizar os seus projetos administrativos e políticos.
Ora, ao que parece, a Senhora
Dilma Roussef está empenhada em resistir contra esse pragmatismo, que
vem de longe. Em nosso raciocínio, pouco interessa os nomes em jogo, nem
os dos defenestrados, nem os dos beneficiados com a recentíssima crise
que resultou na substituição dos líderes do governo no Congresso, e na
ação de represália das bancadas partidárias. De certa forma, todos estão
agindo dentro das regras do jogo, que não são, como sabemos, as
ideais. O problema mais grave é o da debilidade das instituições. O
Brasil é um país que sempre contou com líderes políticos fortes e
instituições débeis. Esses líderes fortes não souberam, não quiseram, ou
não puderam construir instituições sólidas, nestes 190 anos de vida
independente.
Não podemos esconder as
dificuldades do momento. Ainda que a Presidente Dilma Roussef conte com
ampla simpatia popular, alguns tropeços de seu governo causam
preocupação aos observadores mais experientes. Há auxiliares seus que
podem ser pessoas honradas, mas não se acham dotados da prudência que o
exercício do poder impõe. Esses, talvez entusiasmados pelo suporte
popular, não se valem da modéstia necessária ao exercício da autoridade
que a Chefe de Governo lhes delega.
O cuidado de manter a palavra
sob o estrito domínio da razão, é mais exigido do poder executivo (e do
poder judiciário, acrescente-se) do que do poder legislativo. Os
parlamentos, desde que existem, não só são poupados dessa prudência
verbal, como, neles, o ardor dos debates e os doestos quase constituem a
sua razão de ser. Em todos os debates parlamentares, do Senado Romano
aos Comuns, a liberdade de dizer tudo tem sido indispensável à coesão
das sociedades políticas.
Ao meditar os movimentos da
pequena crise, os mais sensatos tentam recolocar o processo em seus
trilhos. Mas conviria ir além do problema imediato, e pensar seriamente
em assegurar a separação real dos poderes republicanos. Os
parlamentares não podem, nem devem, assumir cargos no poder executivo. É
essa promiscuidade que incentiva a corrupção e paralisa o governo.
Sintonia Fina
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