"Vou te contar, eu sou bandido!"
Gravações inéditas da Operação Pasárgada, da Polícia Federal, expõem o funcionamento do balcão de sentenças no Judiciário
UM JUIZ SOB SUSPEITA O desembargador Francisco Betti. Grampeado pela PF, ele foi acusado de vender sentenças |
Pasárgada não é apenas
o paraíso imaginário para onde o poeta Manuel Bandeira queria se
mandar, porque lá ele era amigo do rei e poderia ter as mulheres que
quisesse. Pasárgada é também o nome de uma operação deflagrada pela
Polícia Federal no dia 9 de abril de 2008, no período em que a
instituição recorria com frequência a nomes bombásticos para batizar
suas ações anticorrupção. Na operação, 500 policiais federais foram
mobilizados para prender prefeitos, advogados, lobistas e integrantes do
Poder Judiciário em Minas Gerais, na Bahia e no Distrito Federal. Seu
objetivo foi desmontar um esquema de venda de sentenças pilotado por um
grupo de juízes federais e desembargadores que atuavam em Minas Gerais.
A
fraude fora armada para driblar o bloqueio dos repasses de dinheiro do
Fundo de Participação dos Municípios (uma parcela da arrecadação do
Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados,
transferida pelo governo federal para os municípios) para prefeituras de
cidades mineiras, como Juiz de Fora e Divinópolis. O motivo do bloqueio
eram dívidas altas com a Previdência Social. Em vez de quitar os
débitos com o INSS, os prefeitos dessas cidades preferiram o caminho da
contravenção. Contrataram uma empresa de “consultoria” que intermediava
sentenças na Justiça favoráveis ao desbloqueio dos repasses em troca de
pagamentos de propinas e outras vantagens a magistrados.
*Ouça os áudios no fim da reportagem
Nas
investigações da Operação Pasárgada, os policiais federais coletaram
provas contra três magistrados: o juiz federal Welinton Militão dos
Santos, de Belo Horizonte, e os desembargadores Francisco de Assis Betti
e Ângela Maria Catão. Estes dois fazem parte dos quadros do Tribunal
Federal da Primeira Região, que tem sede em Brasília e é o de maior
abrangência territorial no país, com jurisdição estendendo-se de Minas
Gerais ao Norte e ao Nordeste.
Depois de serem denunciados pelo
Ministério Público Federal em 2010, os três começaram a sofrer sanções.
Ainda em 2010, Welinton Militão foi punido pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) com a aposentadoria compulsória. No final do ano passado, o
desembargador Francisco de Assis Betti foi afastado do cargo pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Tribunal ainda vai decidir se ele é
culpado ou não. No caso de Ângela Catão, o STJ não aceitou a denúncia. O
Ministério Público Federal (MPF) disse que vai recorrer dessa decisão.
A
denúncia do MPF foi baseada em farto material coletado pela Polícia
Federal, como comprovantes de depósitos nas contas dos magistrados,
obtidos graças à quebra do sigilo bancário, e escutas telefônicas
autorizadas pela Justiça.
O conteúdo dessas escutas permaneceu inédito
até agora. Nesta reportagem, ÉPOCA revela, com exclusividade, trechos de
gravações das conversas dos três magistrados. Existem trechos altamente
comprometedores, como aquele em que o desembargador Betti disse, em tom
de escárnio, ao juiz Militão: “Vou te contar, eu sou bandido”.
As
gravações são oportunas num momento em que o Judiciário está dividido
por uma polêmica sobre quais devem ser os poderes do CNJ. O órgão foi
criado na reforma do Judiciário em 2004 para funcionar como instância de
investigação de denúncias de comportamento inadequado de magistrados e
tentar melhorar a gestão dos Tribunais (leia mais sobre o CNJ)
. Desde sua instituição, a abrangência dos poderes do CNJ vem sendo
questionada por uma parcela da magistratura, enquanto outros setores
veem o órgão como a instância mais eficiente de controle do Judiciário
por causa do corporativismo que impede o bom funcionamento de muitas
Corregedorias de Tribunais.
As
fitas obtidas com exclusividade por ÉPOCA têm duplo valor. De um lado,
mostram como agem os envolvidos na cobrança de propina – quem são, como
se tratam uns aos outros, onde se reúnem. De outro, trazem à luz
detalhes que permitem traçar um perfil sucinto dos desembargadores
Francisco Betti, Ângela Catão e do juiz Welinton Militão, propiciando a
chance de conhecer o tipo de personagem que frequenta o lado escuro do
Judiciário brasileiro. Um tipo de personagem que se repete em enredos
que se interpenetram como no filme Pulp fiction, de Quentin Tarantino –
infelizmente, ele não se move num mundo de ficção, mas no Brasil do
século XXI.
CAPÍTULO 1 - CHICO BETTI
GAROTAS DE PROGRAMA E A INFLUÊNCIA DE EXU
Um
homem preocupado com o aluguel de seu apartamento em Brasília.
Apreciador de batidas de fruta com vodca e vinho chileno. Exibicionista
ao falar de mulheres ao telefone – a ponto de encomendar garotas de
programa a “interessados” em suas decisões judiciais. Desconfiado, se o
assunto for algum tipo “de negócio”, tema sobre o qual prefere falar
pessoalmente com o interlocutor em sua casa. Esse é o desembargador
Betti que emerge das escutas telefônicas realizadas pela Polícia
Federal. Nascido em Belo Horizonte, pronuncia frases cheias de “ocê”,
“uai” e “sô”. Só deixa a cautela da fala mineira de lado ao tratar de
sua atuação no Judiciário. Nesse caso, quem fala é o “Chico Betti
bandido”, como ele mesmo se define nas gravações.
A
carreira jurídica de Betti – afastado desde dezembro de suas funções de
acordo com decisão emitida pelo Superior Tribunal de Justiça – começou
nos anos 1980, como procurador da República. A carreira de malfeitos
começou a aparecer em 2007. De acordo com o Ministério Público Federal,
Betti, como juiz da 9ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte,
solicitou R$ 60 mil para proferir decisão judicial favorável à liberação
de mercadorias da Distribuidora Nisama, apreendidas na Receita Federal.
Entre as mercadorias, estavam aparelhos eletrônicos e equipamentos de
informática. Na ocasião, sua rede de relações incorporou dois amigos
altamente úteis para seus propósitos. O primeiro foi Francisco de Fátima
Sampaio de Araújo, gerente da agência da Caixa Econômica Federal
responsável por sua conta-corrente. O segundo, Sarapó, apelido de Paulo
Sobrinho de Sá Cruz, dono da empresa PCM Consultoria Municipal.
Foi
com a ajuda dos dois que, segundo o Ministério Público, Betti começou a
montar seu esquema de venda de sentenças. Segundo Martha Nascimento,
ex-cunhada de Sarapó, Betti estava entre os juízes que receberam
propina. Ela testemunhou um pagamento de R$ 40 mil ao magistrado, em
troca de uma liminar para liberar as mercadorias apreendidas pela
Receita. De acordo com Martha, Betti “gostava muito de dinheiro”.
Segundo uma das gravações feitas pela PF, Sarapó chegou a dizer que
Betti era como “um cabrito berrando, querendo peito” – ou seja, querendo
propina.
As investigações da
Polícia Federal se concentraram, no entanto, no período posterior a sua
promoção a desembargador no Tribunal Regional Federal da Primeira
Região, quando o magistrado se mudou de Belo Horizonte para Brasília.
Três semanas depois de assumir o cargo, Betti ainda morava num hotel.
Numa manhã de outubro de 2007, segundo os grampos obtidos por ÉPOCA, ele
foi acordado por uma ligação do gerente Francisco Araújo. “Ontem, eu
fui a uma churrascaria boa pra danar. Fogo de Chão. Eu tô até de ressaca
porque eu tomei três batidas, quatro. Aquele trem com vodca. Por isso
que eu tô deitado até agora. Minha cabeça está latejando por causa desse
trem”, disse Betti.
O diálogo
avançou morno sobre receitas para curar ressaca. Até que mudou de rumo e
Betti começou a falar de suas despesas em Brasília. “Eu tenho de me
controlar agora. Não tô gastando mais nada”, disse. “Eu estou pagando R$
2 mil de hotel.” “Seu apartamento não saiu, não?”, quis saber Francisco
Araújo. “Saiu nada”, respondeu o desembargador. O gerente apresentou
uma solução: “Eu vou conversar com o Danilo (homem não identificado pela Polícia Federal).
Ele tem meio para ajudar aí. Resolver isso”. Betti gostou da ideia. “Se
pegar um apartamento, são R$ 2 mil a menos (...).” O “cabrito” não
berrava por propina, mas por um imóvel.
No
começo de novembro, Betti recebeu nova ligação telefônica de Francisco
Araújo. Na conversa, o desembargador voltou a mostrar seu gosto pelas
bebidas alcoólicas, mas desta vez discorreu sobre vinhos: “Agora eu tô
tomando um Toro de Piedra. Cabernet Sauvignon 2004, chileno. Se acabar,
eu abro outra (garrafa)”, disse o desembargador. Em seguida, Betti
convidou Araújo e Sarapó para irem a sua casa. O gerente ficou feliz.
Tinha um “negócio bom” para falar. “Eu tô esperando. Vou abrir ou uísque
ou vinho”, respondeu o magistrado. Horas mais tarde, com base na
gravação, a Polícia Federal montou campana na rua tranquila onde Betti
morava, no bairro Ouro Preto, em Belo Horizonte. No fim da tarde, a
polícia viu Araújo e Sarapó deixar o local num Honda Civic. Betti, muito
gentil, foi até o carro se despedir dos dois amigos.
Os
assuntos daquele dia ainda não tinham acabado, como mostram outras
gravações da PF. Às 19h30, Francisco Araújo ligou novamente para o
desembargador. “Que recepção maravilhosa. Sarapó ficou num alívio, numa
alegria que cê recebeu ele”, disse o gerente .“Ele tá sensível?”, quis
saber o magistrado. “Tá, tá”, respondeu o outro. “Então, deixa eu falar:
manda pra Sâmia 700 pratas”, disse Betti. Segundo a apuração da PF,
Sâmia seria uma namorada de Betti. A conversa prosseguiu no assunto
“mulheres”. “Fala pro Sarapó arrumar umas mulheres pra nós aí e tudo,
entendeu? Pega três mulheres, fica com uma. Uma pra mim e a outra pro
amigo lá. E nós três só. Cê paga, cê entendeu? Paga bem”, disse Betti.
No
final de novembro de 2007, Betti recebeu uma ligação de outro amigo, o
então juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Welinton Militão dos
Santos. “Vou te dar boas notícias”, disse Betti. “É? Que beleza, que
maravilha”, respondeu o colega, ansioso. Militão estava enrolado. Seis
meses antes, a Corregedoria do TRF da Primeira Região recebera
documentos da investigação da PF sobre a venda de decisões judiciais. As
suspeitas atingiam diretamente Militão. Ele precisava se explicar. A
solução de Betti para os problemas do amigo envolvia uma lorota e uma
tentativa de mostrar influência. Betti disse a Militão que tinha uma
reunião com o então secretário-geral da Presidência da República, o
também mineiro Luiz Dulci. Betti explicou que havia contado uma mentira à
Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais. Havia dito aos
diretores da entidade que Militão tinha sido procurado por Dulci para
intermediar um encontro com os magistrados federais de Minas – na
verdade, havia sido Militão quem procurara Dulci, e não o contrário.
A
ideia era amaciar os corregedores fingindo que Militão teria prestígio
na Presidência da República. Além da demonstração de força que uma
reunião com um ministro do então presidente, Lula, poderia representar,
Betti e Militão planejavam levar, se recebidos, um pedido a Dulci. Eles
solicitariam o apoio do governo para a criação de um Tribunal Regional
Federal com sede em Minas Gerais, um pleito antigo da magistratura
mineira. Betti sonhava alto: se o Tribunal viesse, ele seria presidente
por ser o desembargador mais antigo de Minas. “O que eu tô feliz é o
seguinte: é que você deu uma arrancada. Se alguém precisar ir ao
Tribunal, não poderá ficar te perseguindo”, disse o desembargador a
Militão. “Mas olha! O amigo, além de forte, é diplomata, viu?”, disse o
juiz. “Não. Eu vou te contar, eu sou bandido. Aqui, meu filho, está
falando Chico Betti bandido. Eu não tô nem preocupado com Tribunal, não!
Eu tô preocupado é com as suas causas.” As causas em questão, segundo o
MPF, eram as vendas de sentenças judiciais.
A
Época, Betti negou as acusações e disse que vai recorrer do afastamento
ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Não há conversa minha no sentido de
corrupção, de pedir dinheiro. Eu não deferi a liberação de
mercadorias”, disse. Sobre a frase “eu sou bandido”, afirmou: “Eu me
autodenomino Exu, que na umbanda é um bandido. Então, eu tenho uma
incorporação de um Exu. Mas minha ficha é limpíssima”. Sobre o encontro
com Dulci, disse: “Militão foi chamado pelo ministro. Eu comuniquei a um
grupo de juízes. Só compareceram Militão, uma advogada e eu. O ministro
disse: ‘Mas só vieram três?’”.
Procurada, a Presidência da República
informou que o encontro foi agendado, mas não confirmou se ocorreu. A
respeito das conversas com Francisco Araújo, Betti afirma que tratava só
da movimentação de sua conta bancária e nega ter pedido garotas de
programa ou dinheiro para alguma namorada. De acordo com ele, Sarapó só o
procurava como advogado. “Se veio a minha casa, veio trazer um
memorial. Nunca fiquei bêbado na frente de ninguém.”
CAPÍTULO 2 - ÂNGELA CATÃO
GENTE HUMILDE, FESTAS E DUPLA SERTANEJA
A
desembargadora Ângela Catão, de 64 anos, gosta de organizar festinhas
de confraternização com os funcionários de sua repartição. Ela mesma
encomenda salgados e refrigerantes. Mas, nos afazeres do dia a dia, não
gosta de cuidar de questões menores, como enfrentar filas de banco. Ela
garante que em 35 anos de magistratura nunca foi a uma agência depositar
dinheiro. Então, como explicar o comprovante de depósito, no valor de
R$ 5 mil, que a PF apreendeu na Operação Pasárgada e no qual consta que a
depositante foi ela mesma? Nas apurações da PF sobre a origem do
depósito, a primeira pista foi justamente uma festinha de
confraternização, na primeira semana de setembro de 2007, no gabinete de
Ângela Catão, que na ocasião ainda trabalhava na Justiça Federal de
Minas.
A dupla sertaneja mirim Marcos Henrique e Santiel, formada a
partir do filme Dois filhos de Francisco (2005), foi contratada para se
apresentar no convescote da magistrada.
Aqui
os personagens começam a se repetir. Quem contratou a dupla Marcos
Henrique e Santiel para o evento? Sim, ele mesmo, Francisco Araújo, o
gerente da Caixa Econômica, estrela da rede de relações do desembargador
Betti. Conforme mostram as gravações, no dia 4 de setembro de 2007,
Ângela pediu para ouvir uma música específica no dia da festa: “Gente
humilde”, uma composição de Chico Buarque e Vinícius de Moraes (1969).
“Acho que esta é a música mineira típica”, disse. Nas fitas, Francisco
Araújo prometeu levar também um bolo, “para cantar parabéns para a seção
eleitoral”.
Segundo contou uma servidora à PF, Francisco também
distribuiu para os funcionários “porta-joias, bandejinhas, ovinhos de
decoração e outras miudezas”. Ângela Catão estava sorridente. Também
tirou fotos com os músicos à frente de uma das estantes que guardava
parte de seus processos. Muitos deles do interesse dos patrocinadores do
show. Dois meses após a confraternização, a juíza se viu diante de um
desses processos. De acordo com o Ministério Público, a turma receberia
R$ 290 mil se a Justiça liberasse o Fundo de Participação dos Municípios
para a prefeitura de Almenara, Minas Gerais, a 750 quilômetros de Belo
Horizonte.
Segundo as gravações,
no fim da tarde do dia 13 de novembro de 2007, Francisco Araújo estava
ansioso. Tentara por diversas vezes falar com Ângela Catão. Quando
conseguiu contato, cobrou humildemente: “E aí, doutora?”. “Peraí um
pouquinho só, que nós confundimos aqui, tá?”, respondeu a magistrada.
Dois minutos depois, o gerente recebeu uma ligação de Maria Márcia de
Santiago Silva, oficial de gabinete da juíza. “Oi, a doutora Ângela está
querendo saber. Essa petição que estava aí, qual era o pedido da
petição?”, pergunta a funcionária. “Quer que eu leve aí? Eu subo aí.”
Naquele mesmo dia, Ângela Catão enviou um comunicado à Receita Federal
no qual mandou retirar a prefeitura da lista de devedores da
Previdência, o que permitiria à prefeitura embolsar a verba do Fundo de
Participação dos Municípios.
Na
tarde seguinte, uma quantia de R$ 5 mil foi depositada na conta da então
juíza. Uma funcionária do banco disse que o depósito ocorreu por
determinação de Francisco Araújo e que parte do dinheiro, R$ 3 mil,
possivelmente saiu da conta de Sarapó – sim, ele mesmo, o dono da
empresa de consultoria que defendia a prefeitura de Almenara. Caso
encerrado para o Ministério Público Federal, que, em fevereiro de 2010,
denunciou Ângela Catão por corrupção e formação de quadrilha. Como no
fim de 2009 a juíza havia sido promovida a desembargadora, o foro
adequado de julgamento passou a ser o STJ. O Tribunal rejeitou, porém, a
denúncia contra Ângela porque “as vantagens apontadas não teriam o
potencial de corromper a magistrada, tal a sua insignificância”.
A
desembargadora, que nega ter recebido propina ou presentes, concorda
com a avaliação do STJ. Ela afirma que, dos R$ 5 mil registrados no
comprovante de depósito, somente R$ 2 mil entraram em sua conta. “Para
um juiz ser malvisto, queimado, bastam R$ 2 mil? Eu fiquei chateada.
Acho R$ 2 mil muito pouco. Eu sou tão ruim, tão fraca assim? Não, gente.
Não pode”, disse a ÉPOCA. Mas por que Francisco Araújo depositaria
dinheiro em sua conta? “Existe um protocolo na Justiça Federal de Minas
para juiz não ir ao banco. Tem fila e certo constrangimento porque o
advogado quer pedir favor. O que acontece?
Os gerentes passam nos
gabinetes (dos juízes) e levam dinheiro e pegam cheque”, afirmou. Depois
que o Tribunal rejeitou a denúncia contra ela, Ângela disse ter
recuperado a fé na Justiça: “Eu não esperava essa decisão. Eu fui
obrigada a acreditar de novo no Judiciário. Obrigada a dizer que o
sistema jurídico funcionou”.
CAPÍTULO 3 - WELINTON MILITÃO
NA POSSE DO AMIGO
Welinton
Militão dos Santos, de 54 anos, mineiro de Pequi, a 128 quilômetros de
Belo Horizonte, mandou uma correspondência à então presidente do
Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Assusete Magalhães. O
ofício tinha o objetivo de pedir autorização para viajar de Belo
Horizonte para Brasília para prestigiar a posse de Betti, “amigo de
velha guarda”, em 17 de novembro de 2007. Três dias antes, Militão
mandara uma funcionária da Justiça Federal comprar passagens da
companhia aérea Gol para o voo 1802, que partiria do aeroporto de
Confins para Brasília às 12h05. No dia da posse de Betti, no entanto,
Militão mudou repentinamente de planos. Às 12h15, chegou a um hangar do
aeroporto da Pampulha, no centro da capital mineira, num carro oficial
da Justiça Federal.
Quinze minutos depois, embarcou no avião Sêneca PT
VGM do empresário Paulo Sobrinho Cruz – opa, lá está ele de novo, o
famoso Sarapó, o dono da consultoria que ajudava municípios encrencados
com a Previdência.
Duas semanas
depois da viagem para a solenidade de posse, Militão determinou a
liberação de verbas do Fundo de Participação dos Municípios para a
prefeitura de Juiz de Fora, que disputava na época uma soma de R$ 34
milhões bloqueados pela Previdência Social para compensar dívidas não
pagas pela administração municipal.
A causa de Juiz de Fora era
justamente patrocinada pela consultoria de Sarapó. Logo após a decisão, a
Corregedoria do TRF da Primeira Região entrou no circuito. “O
corregedor está aqui, pedindo tudo”, avisou um funcionário da vara de
Militão a Sarapó. Apesar da fiscalização, Militão recebeu um cheque de
R$ 46 mil, cuja origem é atribuída à consultoria de Sarapó, duas semanas
depois de a corregedoria fazer inspeção em seus processos.
A cópia do
documento foi apreendida em abril durante a Operação Pasárgada, que
levou o magistrado para a prisão e resultou em seu afastamento da 12ª
Vara Federal. Militão sempre negou que tenha recebido propina para dar
decisões favoráveis à organização criminosa.
De
início, o Conselho Nacional de Justiça aplicou somente a pena de
censura ao magistrado. No fim de 2009, ele voltou ao cargo. O MPF
recorreu, e o juiz foi aposentado compulsoriamente. Ele fica longe do
Fórum, mas continua a receber salário. Um juiz federal em início de
carreira recebe R$ 21.700.
Confira abaixo a transcrição dos principais diálogos e, na íntegra, os áudios:
Sintonia Fina
Hudson Corrêa com Nelito Fernandes
No Revista Época
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