... CONHEÇA ... AJUDE ... DIVULGUE ...
MAS PARA PARITICIPAR, REFLITA BASTANTE,
POIS NÃO É UMA FESTA OU AVENTURA DESVAIRADA.
O Anonymous não é um grupo fechado,
mas uma ideia, e todos que compartilham dessa ideia são Anonymous, e não
do Anonymous. O que parece um simples jogo de palavras é uma explicação
importante para entender a lógica desse novo ativismo.
Em
14 de janeiro de 2008, um vídeo com o ator Tom Cruise fazendo apologia
das maravilhas da Igreja da Cientologia foi parar no YouTube. A seita
das celebridades de Hollywood não gostou e entrou com um pedido de
violação de direitos autorais contra o canal de internet, exigindo a
imediata remoção do conteúdo. Ganhou na Justiça, mas a censura
desencadeou uma série de ações contra a igreja. Tanto na rede quanto nas
ruas.
Em 2 de fevereiro daquele
ano, duas centenas de pessoas se reuniram em frente a um centro da
Igreja, na Flórida, para protestar. Manifestações também foram
realizadas no mesmo dia na Califórnia (EUA) e em Manchester
(Inglaterra). No dia 10 e no dia 15, os atos continuaram, cada um com
cerca de 8 mil pessoas protestando em aproximadamente uma centena de
cidades, incluindo Chicago, Los Angeles, Londres, Paris, Vancouver e
Berlim. Detalhe: os manifestantes escondiam seus rostos sob máscaras,
boa parte delas do personagem do filme “V de Vingança”, que foi
inspirado num personagem histórico inglês, Guy Fawkes.
O
mundo começava a conhecer o Anonymous, grupo gerado pela ação das redes
e que, desde 2003, se articulava e debatia ideias em fóruns,
principalmente no site www.4chan e no Internet Relay Chat (IRC).
Alguns
desses militantes são hackers, com conhecimentos avançados de
programação, mas boa parte, não. “Eu, por exemplo, sou escritora,
redatora e estou na faixa dos 30 anos. Normalmente não dizemos nossa
idade, mas estou lhe revelando para tirar o mito de que somos
adolescentes. Isso não é verdade. Para você ter uma ideia, não sei nada
de informática, sou uma leiga”, revela Farfalla (borboleta em italiano),
militante dos Anonymous Brasil, numa conversa que tivemos pelo IRC,
plataforma de bate-papo que fez muito sucesso no final dos anos 1990 e
início dos anos 2000.
Os
Anonymous já realizaram várias ações depois da que os tirou do anonimato
global, contra a Igreja da Cientologia. Uma das mais conhecidas se deu
em dezembro de 2010, quando mais de mil deles se organizaram por meio de
fóruns e redes sociais para congestionar os sistemas das redes
Mastercard e Visa e o serviço de pagamento PayPal por se negarem a
receber contribuições para o WikiLeaks, que acabava de revelar uma série
de documentos secretos das embaixadas americanas espalhadas pelo mundo.
Na
sequência, em janeiro deste ano, o Anonymous entrou em ação de novo,
participando da Primavera Islâmica. Seus militantes protestaram em sites
do Ministério da Indústria e da Bolsa de Valores da Tunísia, em
solidariedade ao movimento contrário ao governo local, que cairia dias
depois. Também organizou, em fevereiro, um ataque contra sites do
governo do Iêmen e foi atuante na difusão de informações sobre a
revolução no Egito, principalmente quando Hosni Mubarak derrubou o sinal
de internet no país.
Na Espanha,
os protestos que levaram milhares à Praça do Sol começaram a ganhar
corpo na rede impulsionado pelos Anonymous. Em 20 de dezembro do ano
passado, eles fizeram a primeira manifestação contra a Ley Sinde, que
restringia a liberdade na internet. Depois fizeram outros atos, até
chegar ao mais ruidoso, em 4 de março, e que resultou, depois de 11
dias, no movimento que ficou conhecido como 15M (15 de março), quando
milhares de jovens passaram a acampar na Praça do Sol, reivindicando não
só mudanças na lei, como uma nova democracia no país.
No
Brasil, os Anonymous ainda não são um grupo com muito espaço na rede,
mas já começam a testar sua força. Estão programando, por exemplo,
protestos para o dia 7 de setembro e, de alguma forma, o nome do grupo
ganhou a mídia quando dos ataques a sites do governo federal em julho.
Protesto que eles não assumem e é reivindicado pelo Luzlsec.
Mas
antes de continuar este texto, parênteses para um esclarecimento que
Farfalla me fez na primeira pergunta de nossa entrevista: “O Anonymous
não é um grupo fechado, mas uma ideia, e todos que compartilham dessa
ideia são Anonymous, e não do Anonymous.” O que parece um simples jogo
de palavras é uma explicação importante para entender a lógica desse
novo ativismo.
Farfalla é apenas
uma das pessoas que se reivindicam Anonymous, mas não é porta-voz do
grupo ou muito menos uma liderança. Entender o universo Anonymous não é
algo exatamente fácil, principalmente se forem utilizadas as
tradicionais classificações da sociologia política.
É preciso tentar
entendê-lo com base na lógica da nova sociedade globalizada e em redes,
que surge no contexto da revolução digital. Çom instrumentos de
comunicação, pelos quais muitos falam com muitos de forma horizontal,
rompendo a lógica de emissores e receptores. Rompendo a lógica de
líderes e liderados. E relativizando completamente a importância das
organizações intermediárias.
Entre
os Anonymous, quem busca se destacar é rechaçado pelo resto da
comunidade. E não há causa nobre que justifique mostrar a cara ou
aparecer.
No episódio do WikiLeaks, durante o processo de Julian
Assange, um dos seus membros, conhecido por Coldblood, deu entrevistas a
alguns veículos como BBC e Guardian falando em nome do grupo. Foi
expulso.
Manifestação na internet
Richard
Stallmann, o criador do movimento dos softwares livres, escreveu
recentemente um artigo reproduzido no Brasil pelo O Estado de S. Paulo
no qual busca explicar não só os Anonymous como os movimentos que eles
realizam. No primeiro parágrafo, Stallmann já relativiza os “protestos
on-line feitos pelo grupo”, que segundo ele “são equivalentes a uma
manifestação na internet”, acrescentando ser “um erro classificá-los
como atividade de grupos hackers (uso da astúcia brincalhona) ou de
crackers (invasão de sistemas de segurança)”.
Stallmann
ainda explica, por exemplo, que os manifestantes do Anonymous, quando
fizeram os protestos contra a Mastercard e a Visa, não tentaram roubar
dados da empresa. “Eles entram pela porta da frente de uma página, que
simplesmente não é capaz de suportar tantos visitantes ao mesmo tempo.”
O
ativista também sustenta que há diferenças entre os protestos na rede.
Conforme Stallmann, os organizados pelo Anonymous contra a Mastercard,
por exemplo, não foram “ataques de negação de serviço” (DDoS). Ataques
por DDoS são realizados por meio de milhares de computadores zumbis,
como aconteceu no caso da invasão da página da Presidência da República
do Brasil. Neste caso, explica Stallmann, alguém invade o sistema de
segurança desses computadores (com frequência, recorrendo a um vírus) e
assume remotamente o controle sobre eles, programando-os para formar uma
botnet (rede de zumbis, que é um sistema em que computadores aliciados
desempenham automaticamente a mesma função), que atende em uníssono às
suas ordens (nessa hipótese, a ordem é sobrecarregar um servidor).
No
caso das manifestações do Anonymous, segundo ele, foram ativistas que
fizeram com que seus próprios computadores participassem do protesto.
Pode parecer uma sutil diferença, mas é imensa. São cidadãos
protestando, não máquinas operadas por uma única pessoa que invadiu uma
série de outras para realizar o ataque.
O
professor da Universidade Federal do ABC, Sérgio Amadeu, um dos maiores
especialistas em cultura digital no Brasil, concorda com Stallmann e
revela que os ataques realizados contra o site da Presidência da
República foram realizados por 2 mil computadores escravizados na
Itália. “Assim como defendo o direito de fazer manifestação na rua, não
acho que as manifestações na internet, como as do Anonymous devam ser
proibidas.”
Mas ao mesmo tempo, Amadeu esclarece que há métodos diferentes e às vezes utilizados pelo mesmo grupo. “O LulzSec fez uma ação contra a Sony com uma causa, um ataque supersofisticado, em defesa da liberdade na rede. No caso dos ataques aos sites do governo, porém, e principalmente ao da Presidência da República, isso só jogou contra a liberdade na rede”, avalia.
Mas ao mesmo tempo, Amadeu esclarece que há métodos diferentes e às vezes utilizados pelo mesmo grupo. “O LulzSec fez uma ação contra a Sony com uma causa, um ataque supersofisticado, em defesa da liberdade na rede. No caso dos ataques aos sites do governo, porém, e principalmente ao da Presidência da República, isso só jogou contra a liberdade na rede”, avalia.
Amadeu
considera que os ataques acabaram contribuindo para que o AI-5 Digital,
proposto pelo deputado federal Eduardo Azeredo, ganhasse força no
Congresso. E, por isso, ele não descarta a possibilidade de os ataques
terem sido realizados com esse objetivo, o que é negado em entrevista
por um dos membros do LuzlSec Brasil.
No
seu artigo, Stallmann ainda chama a atenção para a precariedade de
direitos na internet, que, na sua opinião, é o fator motivador dessas
ações. “A internet não pode funcionar se os sites forem constantemente
bloqueados por multidões, assim como uma cidade não funciona se suas
ruas estiverem sempre tomadas por protestos. Mas, antes de declarar seu
apoio à repressão dos protestos na internet, pense no motivo de tais
protestos: na internet, os usuários não têm direitos.”
Ele
faz a comparação entre as condições do mundo real e do virtual para
defender sua tese. “No mundo físico, temos o direito de publicar e
vender livros. Quem quiser impedir a publicação do livro tem de levar o
caso a um tribunal. Para criar um site na rede, porém, precisamos da
cooperação de uma empresa de concessão de domínios, de um provedor de
acesso à internet (ISP) e, com frequência, de uma empresa de hospedagem,
e cada um desses elos pode ser individualmente pressionado a cortar o
nosso acesso.”
E encerra: “é como se todos nós morássemos em quartos alugados e os senhorios pudessem despejar qualquer um sem notificação prévia.”
E encerra: “é como se todos nós morássemos em quartos alugados e os senhorios pudessem despejar qualquer um sem notificação prévia.”
O espaço da política
Gabriela
Coleman, pesquisadora e professora de Mídia, Cultura e Comunicação da
New York University, explicou, em entrevista por e-mail à Fórum, que
foram os protestos contra a Igreja da Cientologia que deram dimensão
política às ações dos Anonymous. “Originalmente Anonymous era um nome
usado para coordenar brincadeiras na internet. Foram os protestos contra
os abusos da Igreja da Cientologia que criaram seu braço político.”
Ela
diz não saber calcular quantas pessoas se definem como Anonymous, mas,
confirmando a entrevista de Farfalla, registra que apenas um pequeno
grupo de participantes são hackers. “Esses são os programadores
qualificados, pesquisadores de segurança e administradores de sistemas
que se identificam como tal. Mas há um grupo muito maior que eu não
descreveria como de hackers, mas, talvez, como ‘geeks’.
Estes fazem
edição de vídeo, design, trabalham com ferramentas de escrita
colaborativa e têm bastante know-how técnico para usar o IRC. Outros
participantes, talvez a maioria, não se deva qualificar nem como hackers
nem como geeks. Mas, com o tempo, eles começam a aprender alguns dos
códigos culturais e de alfabetização digital, que podem transformá-los
em geeks.”
A professora também
conta detalhes da ação do grupo contra o governo da Tunísia. “Eles
começaram a ajudar os manifestantes muito antes de a mídia tradicional
noticiar com qualquer profundidade os protestos que aconteciam naquele
país. Em 2 de janeiro de 2011, o Anonymous abriu uma operação chamada
‘OpTunisia’, depois que o governo bloqueou, a internet e passou a
oferecer ajuda aos protestos.” Colleman acrescenta que “o ‘OpTunisia’
representou mais um momento decisivo na formação política dos Anonymous
como um movimento de protestos, pois as operações anteriores residiam no
campo da censura à internet, e essa da Tunísia foi ativismo a favor dos
direitos humanos e da democracia e atraiu um grande número de
participantes”.
O sociólogo Emir
Sader, que tem acompanhado as ações das novas tecnologias na política,
inclusive utilizando-se de um blogue e do Twitter para fazer o debate
público, destaca que um dos pontos positivos do Anonymous e de outros
movimentos da internet “é que eles podem mudar certos aspectos da luta
popular, estendendo e dinamizando a capacidade de mobilização e
incorporando jovens”. E cita o caso do movimento no Egito como o mais
notável desse tipo de mobilização. Mas, ao mesmo tempo, pondera que “se
essas ações não se articulam com propostas políticas capazes de
transformar em realidades suas visões, tendem a se esvaziar”.
Para
defender a sua tese, o professor cita dois movimentos. O movimento dos
piqueteros, na Argentina, que, mobilizado pela explosão da crise da
política da paridade com o dólar, “levantou o lema ‘Que se vayan todos’
no momento das eleições”. E que decidiu não participar do processo
eleitoral para preservar “a chamada autonomia dos movimentos sociais”,
que, segundo Emir, “serve para a resistência, mas não para a construção
de alternativas”.
Foi isso, no
entendimento do professor, que levou “os piqueteros a praticamente
desaparecer enquanto movimento na Argentina e que também levou os
zapatistas mexicanos, que mantêm essa visão, a se limitarem a um
trabalho no estado de Chiapas, perdendo qualquer dimensão nacional”.
Emir diz que isso não ocorreu nem na Bolívia e nem no Equador, “onde os
movimentos sociais se constituíram como forças políticas e, uma vez no
governo, promoveram processos de refundação dos seus Estados”.
Em
relação ao fato de o movimento se utilizar do anonimato para promover
ações, Emir considera que essa é uma arma legítima “dos que lutam para
criar espaços alternativos, buscando contornar aqueles que querem
desqualificá-los e criminalizá-los com a pecha de ’piratas’”. Emir
também defende a liberação de documentos públicos por ativistas da rede.
Na sua opinião, “conforme o critério kantiano, tudo que é publico tem
que ser transparente”.
A história da máscara
A
máscara utilizada pelos participantes das mobilizações pelo mundo
remete ao reinado de Henrique VIII, na Inglaterra, que vigorou entre
1509 a 1547. Aquele período é considerado o mais absolutista de toda a
história. Henrique VIII rompeu com a Igreja Católica e passou, ele
próprio, a controlar uma nova Igreja, a Anglicana. Entre seus atos está a
criação da Witchcraft Act, que levava à morte as pessoas acusadas por
bruxarias.
Com a morte de
Henrique VIII, seus sucessores mantiveram seus métodos e, em 1603, no
reinado de James I, grupos de católicos passaram a organizar
conspirações na tentativa de assassinar o Rei.
A
conspiração mais famosa é a da “Pólvora”, liderada por Guy Fawkes,
especialista em explosivos, e que tinha o objetivo de explodir o
Parlamento no dia em que o Rei fosse discursar para os lordes ingleses.
Alguns
historiadores acreditam que houve uma traição dentro do movimento e
outros, que, ao tentar avisar inocentes que não ficassem no prédio no
dia do atentado, a notícia acabou chegando às autoridades.
Em
5 de novembro de 1605, Guy Fawkes foi preso, enforcado e esquartejado. E
esse dia passou a ser conhecido, na Inglaterra, como o dia da salvação
do Rei e é comemorado aos moldes da nossa “malhação de Judas”, com um
boneco representando Guy Fawkes sendo espancado e queimado nas ruas.
A
máscara usada nos bonecos inspirou Allan Moore a criar, nos anos 1980, o
romance “V de Vingança”, no qual o personagem mascarado tenta fazer o
trabalho que Guy Fawkes não havia conseguido: explodir o Parlamento
inglês.
Em 2006, em uma produção
que conta com os irmãos Wachowski, o filme “V For Vendetta” é lançado e
recria na telona o romance de Allan Moore, mostrando um “herói”
mascarado que luta contra a manipulação da mídia e do governo
conservador.
Sintonia Fina
Fórum
Nenhum comentário:
Postar um comentário