Hoje em dia os banqueiros dispensam os intermediários |
Carta Capital
O
grande projeto da direita, impressa ou partidária, ideológica ou
simplesmente financeira, é a destruição das instituições democráticas,
mediante a desmoralização da política. O segundo e último momento é o
esvaziamento da soberania popular, como já ocorre na Europa. Daí o
ataque aos políticos, uniformemente apontados, ora como incompetentes,
ora, caso brasileiro, como corruptos.
Todos sabemos como começa esse
cantochão, e todos sabemos como termina, aqui e em todo o mundo: na
Alemanha, construiu o nazismo; na Itália, o fascismo; a Grécia dos anos
60 terminou na ditadura dos coronéis (1967-1974). E paro por aqui, para
que a listagem não fique enfadonha, com o exemplo brasileiro de 1964,
lembrando a campanha da UDN contra a ‘corrupção’ do governo João
Goulart, assoalhando o desfile militar. Aliás, sem qualquer
originalidade, pois assim fôra construído o golpe de 24 de agosto de
1954, que culminou no suicídio de Vargas.
Como
a História não se repete, a estratégia, agora, não é mais operar
mediante ditaduras impopulares (a não ser no Oriente), mas exercer o
mando direto, pela associação das grandes multinacionais, que já
respondem por mais de 50% do PIB mundial, e o sistema financeiro. A
banca, que já governa a economia em todo o mundo, resolveu agora ela
mesma dirigir os países nos quais seus interesses (leia-se a
hiperacumulação financeira especulativa) possam estar ameaçados. O
experimento se inicia, de forma descarada, na Grécia e na Itália.
A
Europa, diz-nos o insuspeitíssimo Mário Soares, um dos responsáveis
pelo desfalecimento da saudosa Revolução dos Cravos, “está entregue aos
especuladores”. E, nessa Europa, alguns países (como Alemanha e França)
são mais europeus que outros, como Espanha e Portugal, realmente governados pela troika FMI-BCE-Comissão Europeia, da qual a dupla Merkel-Sarkozy é simples pombo-correio.
À
Espanha e a Portugal ainda é permitido escolher seus dirigentes, dentre
aqueles que se revelem mais competentes e mais dóceis para aplicar as
ordens da dupla. Noutros países, os políticos são responsabilizados
pelos crimes da banca financeira e para governá-los são chamados os
tecnocratas que engendraram a crise: são chamados pela troika e
por ela indicados. Sem o menor respeito à soberania popular, e
desrespeitando mesmo suas classes dominantes, que sequer foram ouvidas.
As
modificações nos governos da Grécia e da Itália — esqueçamos por um
momento os personagens medíocres, principalmente o burlesco Berlusconi —
configuram um assalto à democracia, à soberania e à política.
O
ex-primeiro ministro Papandreou foi ameaçado de crucificação por haver
pretendido consultar suas vítimas, o povo grego, sobre a adoção arrocho
exigido pelos tecnocratas para a ‘ajuda’ à Grécia, a qual, por seu turno
e pelo mesmo motivo, esteve à beira da expulsão da Comunidade Europeia.
Assim ficamos sabendo que Papandreou foi penalizado não pelos erros de
sua administração desastrada, mas por haver proposto a realização de um
plebiscito, um dos mais festejados institutos da democracia.
Isso
irritou os democratas Merkel e Sarkozy, com os olhos voltados para seus
respectivos sistemas financeiros. Um dia após receber voto de confiança
do parlamento grego, Papandreou renunciou para, ainda por exigência da
banca internacional, ser substituído por um tecnocrata, Lucas Papademos,
egresso do MIT (EUA), que assume com a missão de compor um gabinete
‘técnico’. Fora com os políticos! Na Grécia, na Itália e em todo o
mundo, o mal da política é a política.
A demissão do ridículo e corrupto Berlusconi — que deveria estar na
cadeia, tantos são seus crimes — não se deu por decisão judicial, ou,
como deve ser no parlamentarismo, por consequência de um voto de
desconfiança. Mas sim pelas mãos do anônimo presidente da Itália
cumprindo ordens, de novo, do casal Merkel-Sarkozy, locutores da vontade
da banca.
Assim foi nomeado o tecnocrata Mário Monti (egresso da
Universidade de Chicago), nada mais nada menos do que ex-presidente do Goldman Sachs,
o famoso gigante do mercado, com o compromisso de compor o gabinete com
outros tecnocratas. Aliás, a intervenção, desta feita, não se fez
‘intra-muros’.
Dias antes, o mesmo Goldman Sachs emitira uma ‘nota à imprensa’, na qual, se lia: “Um governo técnico [na Itália] teria maior credibilidade na comparação com outros executivos”.
Assim, sem um voto, instala-se a ‘democracia de mercado’, que, em comum
a todas as ditaduras, militares ou tecnocráticas, cultiva o sentimento
de desapreço ao chamamento da cidadania.
É a pós-política, ou a democracia sem voto.
É o réquiem da União Europeia, e o fim da discurseira que falava nos valores da sociedade ocidental,
dentre eles destacando-se a democracia, em nome da qual foram mortos
milhões de europeus, argelinos, sírios, líbios, servos, croatas,
paquistaneses, indianos, vietnamitas, africanos, afegãos…
Como
todo gato escaldado deve temer água fria, seria aconselhável que nossos
analistas começassem a dirigir seus olhares para a cena brasileira e
fixar-se na campanha unânime que a grande imprensa, não podendo atacar
os fundamentos da política econômica do governo de centro-esquerda da
presidente Dilma, desenvolve contra a vida política brasileira, tentando
fazer com que a cidadania brasileira se convença de que o mal de nosso
país não é a desigualdade social da qual ela é servidora, mas a
corrupção, da qual é beneficiária (isso não é dito) a classe dominante.
Neste país estranho, os que não pagam impostos (os ricos) é que reclamam
do apetite da Receita, enquanto os sindicatos silenciam quando deveriam
estar nas ruas exigindo taxação progressiva; os jornalões se arvoram em
defensores da liberdade de expressão quando foram associados e
beneficiários da última ditadura.
A
direita impressa quer fazer crer que todos os políticos brasileiros são
iguais, isto é, corruptos, donde não haver saída pela política. Foi
assim que a direita brasileira criou, em 1964, as condições subjetivas
para o golpe militar, o qual, em seu primeiro momento, teve respaldo na
sociedade brasileira, principalmente junto à classe-média que naquele
então influía mais do que agora na formação do que se chama opinião
pública.
É construindo a ideia de que o processo representativo não
resolve os problemas do país, que os políticos chegam ao poder apenas
para realizar suas ‘revoluções’ pessoais, e de que o mal da democracia
são os partidos, que a direita constrói o desalento coletivo, tentando
fazer com que as grandes massas deixem de ver na democracia a grande
alternativa, e na força do voto o poder de mudanças.
A
corrupção em nosso país não é maior nem menor do que em qualquer outro
país, e nunca foi combatida como está sendo, e não é nem uma deformação
da democracia nem da política, porque ao lado do corrupto passivo há
sempre um corruptor, que é sempre empresário.
Não
é irrelevante (porque, aliás, é inédito) o fato de, em seus onze
primeiros meses de governo, sete de seus ministros haverem sido
demitidos pela imprensa, seis deles sob acusações de corrupção, ora não
comprovadas, ora silenciadas quando o objetivo é alcançado. Os jornais
que trazem o pedido de demissão do ministro do Trabalho já anunciam
‘suspeitas’ sobre outro auxiliar imediato da presidente, o honradíssimo
ministro Fernando Pimentel.
No
caso mais recente, a Comissão de Ética da Presidência, no meu entender
exorbitando de sua competência, pede, publicamente, a demissão de um
ministro, esvaziando a presidente da República do direito exclusivo de
nomear e demitir seus auxiliares, um dos mandatos do sistema
presidencialista que vivemos.
Para
evitar novos transtornos, na tal reforma ministerial que a imprensa
noticia diariamente como forma de exigência, terá antes a presidente de
consultar as quatro famílias que monopolizam a informação no Brasil?
Além disso, deverá consultar Febraban, FIESP e CNI?
Sintonia Fina
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