Globo tranca Lei do cabo no grito
ANCINE não cumpriu promessa e proposta de regulamentação da lei da TV Paga segue em segredo. O que a Globo tem a ver com isso?
A Agência Nacional do Cinema
havia prometido colocar em consulta pública suas propostas de
regulamentação da nova lei da TV paga até 16 de dezembro. Após
sucessivos atrasos, no dia 22 de dezembro, às vésperas do Natal, o
presidente da ANCINE, Manoel Rangel, discordou dos outros dois diretores
da agência e pediu vistas do processo.
No dia anterior à reunião da
diretoria, o portal Telesíntese, especializado no mercado de
telecomunicações, radiodifusão, mídia, conteúdo e tecnologias da
informação, divulgou a notícia de que a ANCINE recuaria por pressão das
Organizações Globo, tradicional oponente da regulação das comunicações
no país. Na reunião, Manoel Rangel, que é do PCdoB de SP e muito ligado
a Aldo Rebelo, ministro dos esportes, achou por bem paralisar o
processo, que agora só deverá voltar à análise ao final de suas férias.
A partir daí, a ANCINE terá
pouco tempo para submeter suas propostas a consulta pública, consolidar
as Instruções Normativas e enviá-las ao Conselho de Comunicação Social.
Tudo isso deverá acontecer até 12 de março de 2012, data em que a lei
entrará em vigor.
Entenda o caso
A lei 12.485 de 2011 criou uma
nova relação econômica para o setor de televisão por assinatura no
Brasil. Entre outras coisas, ela definiu o serviço de comunicação de
acesso condicionado (SeAC) e sua cadeia produtiva, segregando as
atividades de produção, programação e empacotamento de conteúdos, da
atividade de distribuição de sinal por meio de qualquer tecnologia.
A Lei pretende que as empresas
distribuidoras não possam controlar as empresas dos demais setores e
vice-vesa. Para tanto, delegou a regulação da distribuição à ANATEL e
dos demais setores à ANCINE.
Isso vai de encontro à prática
de mercado no Brasil, que tem sido a de buscar o máximo de concentração e
integração vertical, características, sobretudo, das organizações
Globo.
Outro aspecto importante é que a
lei cria cotas de conteúdo brasileiro nos canais que exibem
predominantemente filmes, séries, realities e programas de variedade
feitos fora de auditório, sendo que metade dessa cota tem que ser
cumprida com obras de produção independente. Isso quer dizer que essas
obras devem ser produzidas por empresas produtoras que não tenham
qualquer vínculo ou associação, nem sejam de qualquer forma controladas
ou coligadas a empresas radiodifusoras, programadoras, ou
distribuidoras.
A história é complicada. Uma
das conseqüências dessa nova legislação foi colocar a ANCINE no centro
do debate sobre como devem ser os modelos de negócio no setor de
televisão por assinatura, e um dos motivos para isso é justamente a
experiência da ANCINE em operar com esse conceito de produção
independente, que é algo preconizado na medida provisória que criou a
agência e com o qual ela vem trabalhando desde 2001.
O espírito da lei é enfrentar a
concentração e a integração vertical, assim como ocorre em países como
os Estados Unidos e nos da União Européia há décadas, pois só assim se
pode criar uma economia audiovisual e de comunicação forte,
diversificada, com espaço para diversos atores e respeito aos direitos
do consumidor/cidadão.
A novidade é que essa
perspectiva desafia os interesses das organizações Globo no âmago do seu
modelo de negócio, que sempre se pautou por perseguir a hegemonia no
mercado, dominando todos os elos da cadeia audiovisual e inibindo
qualquer estímulo à diversidade cultural. Por esse motivo eles estariam
tentando controlar o processo de elaboração das normativas que a ANCINE
está fazendo.
O que aconteceu
O processo de regulamentação da
Lei já estava no seu momento final, mas, de repente, Manoel Rangel
interrompeu a votação dos últimos pontos da normativa. Curiosamente,
isso aconteceu apenas alguns dias após Manoel e Evandro Guimarães,
representante da Globo no Conselho Superior de Cinema, terem tido uma
forte discussão. Depois disso, Manoel começou a recuar velozmente.
Um observador atento diria que é
importante prestar muita atenção nas relações da Globo com o Ministério
dos Esportes e os efeitos sobre a ANCINE.
Qual será o resultado de uma
interferência tão grande da Globo no processo de regulamentação da lei?
Provavelmente irá prejudicar a conquista desse ambiente econômico
saudável de competição isonômica que se pretende alcançar.
Qual será a influência que a
Globo pode exercer sobre o presidente da ANCINE que é membro do PCdoB,
partido recentemente atacado na mídia nacional com acusações de
corrupção que quase lhe custaram o comando do ministério dos esportes?
Sintonia Fina - Conversa Afiada
"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter"
(Cláudio Abramo)
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