AOS QUE DIZEM QUE É PRECISO IGNORAR O LIVRO PORQUE O AUTOR FOI ACUSADO DISSO OU DAQUILO, BASTA LEMBRAR DE UM QUE FOI ESCRITO POR PEDRO COLLOR DE MELLO E, VEJAM SÓ, com a JORNALISTA DORA KRAMER
Mário Marona
Os jornalistas sabem que, mesmo sendo meio falastrão e parecendo
um tanto estabanado, Amaury é um grande repórter, é honesto e não está mentindo
ou, para ser mais isento, pelo menos acredita que está contando a verdade.
Sabem, por fim, que a origem desta história que resultou num livro está na
reação de Aécio Neves a uma ação mafiosa típica dos serristas.
Por que, então, os colunistas, editores e jornalistas da maioria
dos grandes veículos fingem ignorar o livro?
Porque obedecem à linha editorial dos jornais e das emissoras em
que trabalham. Obedecem, agora, e sempre obedeceram. [E aqui, em nome da
isenção, acrescento a parte que me toca: eu mesmo, quando trabalhei nas grandes
redações, me sujeitei às linhas editoriais dos veículos e se eventualmente me
insurgia internamente contra elas, tentando modificá-las, nunca deixei de segui-las
disciplinadamente, uma vez derrotado em minhas posições. Ou pedia o meu boné.]
O que mudou, então? Por que os jornalistas se vêem obrigados a
depreciar publicamente um colega de profissão, como o Amaury, com quem, aliás,
muitos deles conviveram amistosamente? E por que estamos vendo jornalistas
importantes entrando em guerra com seus leitores por causa de um livro que, se
pudessem, tratariam como notícia ou comentariam?
Arrisco uma resposta: porque hoje os leitores pisam nos calos
destes jornalistas, o que há uma década atrás – ou menos - não acontecia.
No meu tempo, e vale dizer também no tempo do Noblat, da Dora,
da Eliane, do Merval, o leitor não existia como figura real. Era um anônimo,
mal representado, diariamente, em uma dúzia de cartas previamente selecionadas
para publicação e devidamente “corrigidas” em seus excessos de linguagem. Tem
gente que não lembra, porque começou a ler jornal depois, mas naquele tempo nem
e-mail existia, exceto, talvez, como forma de comunicação interna das empresas.
Noblat, Dora, Merval, Eliane [e eu] escreviam, editavam e
publicavam o que queriam, desde que não contrariassem os acionistas,
representados pelos diretores de redação. Por acaso, dois dos citados foram
diretores de redação e eu fui editor-chefe adjunto no Globo e editor-chefe do
JN. Não eram – não éramos - contestados por ninguém. Quem não gostasse que se
queixasse ao bispo, ao editor de cartas - por carta, claro - ou então que
suspendesse a assinatura ou mudasse de canal.
Publicavam o que queriam, autorizados pelos donos, e continuam
agindo da mesma maneira, mas hoje são imediatamente incomodados, cobrados,
questionados, xingados pelos leitores, por e-mail, em blogs, por tuites e por
caneladas no Facebook.
Fazem a mesma coisa – obedecer à linha dos seus jornais – só que
agora têm que dar explicações a um grupo crescente de chatos, nem sempre bem
educados, e não podem botar a culpa no patrão. Não podem dizer no twitter:
“Olha, gente, eu não vou escrever sobre o livro do Amaury porque o meu jornal
decidiu ignorá-lo, pelo menos por enquanto”.
Mas aos que alegam que é preciso ignorar o livro do Amaury
porque ele foi acusado disso ou daquilo e não seria um autor confiável,
responde com uma experiência pessoal. Editor do Globo em 1992, uma noite
recebeu na redação o livro “Passando a limpo, a Trajetória de um Farsante”, de
autoria de Pedro Collor de Mello e, vejam só, da Dora Kramer! O livro trazia
acusações tão pesadas contra Fernando Collor que, em alguns casos, a prova
dependeria de exame de corpo de delito. O editor teve que ler o livro em duas
horas, para escrever uma resenha rápida, que seria publicada na edição do dia
seguinte.
Naquela época, no Globo e, creio, nos demais jornais, não era
possível ignorar uma peça de acusação tão enfática, ainda que desprovida de
provas. Nem era possível guardar para ler depois. E pouco importava se a origem
das acusações de Pedro contra Fernando era uma briga entre irmãos envolvendo
até mulher. Era notícia, e pronto.
SINTONIA FINA VIA BRASIL 247 - JENIPAPO
"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter"
(Cláudio Abramo)
(Cláudio Abramo)
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