Força da economia nacional e crise no primeiro mundo fazem acontecer o impensável
RIO – A força da economia brasileira e a crise que vem abatendo os
países ricos está fazendo acontecer o que há alguns anos era
inimaginável no páis: os salários de trabalhadores em várias carreiras –
de executivos e gerentes a engenheiros, consultores jurídicos e
profissionais da tecnologia da informação — estão mais altos do que em
nações da Europa e nos Estados Unidos. O rendimento mensal chega a ser
85% maior, mesmo convertendo esses valores para reais, considerando a
cotação de euro, dólar e libra esterlina. Um engenheiro elétrico sênior,
por exemplo, que ganha no mínimo R$ 14.900 no Brasil em grandes
empresas, recebe R$ 8.037 na Espanha, uma diferença de 85,4%, aponta
pesquisa feita pela consultoria Michael Page, a pedido do GLOBO.
O levantamento — que levou em conta profissionais seniores, grandes
empresas e somente o salário fixo, sem bônus ou participação nos
resultados — mostrou também que um gerente comercial no Brasil chega a
ganhar 79,1% a mais que nos Estados Unidos (R$ 18 mil de salário mínimo
no Brasil contra R$ 10.048 nos EUA). Um consultor jurídico no Brasil
ganha 24,4% a mais que na Itália (salário máximo de R$ 15 mil no Brasil
contra R$ 12.055) e, um diretor comercial no Brasil ganha no mínimo R$
28.000, 13,4% a mais que o mínimo encontrado no Reino Unido (R$ 24.674).
Para Ricardo Guedes, da Michael Page, além de economia brasileira
aquecida e desenvolvidos em crise, real forte e mão de obra em falta no
Brasil ajudam.
— E esse fenômeno tende a continuar e talvez alcançar cada vez mais
profissões. A falta de mão de obra é muito grande e, em diversos casos, é
impossível encontrar um estrangeiro para o lugar, não apenas por causa
da legislação restritiva do Brasil, mas porque algumas destas profissões
exigem um alto domínio do português e da cultura nacional, como diretor
comercial e consultor jurídico — afirma.
Fenômeno chega a cargos técnicos
A própria Michael Page — uma das maiores em recrutamento no mundo — vive
um caso assim. João Nunes, português de 30 anos, está no Brasil há três
meses. Aqui ganha até 30% mais que na Europa, sem contar o que pode
receber a mais de renda variável, dependendo dos lucros da operação —
bem mais favoráveis que no velho continente. Mesmo assim, ele lembra que
nem tudo são flores:
— Realmente o salário é maior, pode chegar a uma diferença de 50% em
alguns casos, mas o custo de vida aqui é muito mais alto. Moro em São
Paulo, onde os aluguéis são o dobro do registrado em Portugal.
Alimentação, tudo é mais caro. Então nossa capacidade de poupança é
menor.
Nelson Prochet, diretor de recursos humanos da francesa Technip, conta
que esse fenômeno está se generalizando, extrapolando os cargos de
chefia e chegando a profissões técnicas e administrativas.
— É um fenômeno brasileiro. Em outros países em desenvolvimento isso não ocorre.
A negociação na China é diferente e a Índia tem uma capacidade
espantosa de formar rapidamente mão de obra qualificada — disse.
Agostinho Guerreiro, presidente do Crea-RJ, diz que os altos salários chegam a todas as profissões técnicas.
— Embora o nosso piso seja de nove salários mínimos para engenheiro
recém-formado, que será algo próximo a R$ 5.600 em janeiro, não é
difícil ver iniciantes ganhando até R$ 8 mil — disse, mostrando que o
salário inicial está próximo ao de engenheiros seniores da Espanha.
Ele afirmou, contudo, que ainda há muitas diferenças salariais no
Brasil, em setores como o energético, que tem forte influência estatal e
rendimentos baixos aos profissionais.
Adalberto Cardoso, professor do Iuperj, frisa que a crise dos países
desenvolvidos está reduzindo seus salários reais, além de elevar o
desemprego nestas nações. Este aspecto conjuntural só deve se tornar uma
situação estrutural se, em sua opinião, a diferença no nível do
crescimento for ainda maior nos próximos anos:
— De qualquer maneira já vemos um aumento de estudantes de engenharia
nas universidades. Mas o tempo para formação de um engenheiro é cinco
anos, ou seja, ajustar a formação de mão de obra à demanda é um processo
lento.
Tito Costa Santos, diretor da Agência Azul — agência digital localizada
no Rio —, afirma que, neste ano, aumentou os salários de sua equipe, em
média, em 40%. Embora diga que fez isso para recompensar a equipe e
repartir os lucros do negócio, ele conta que a alta é generalizada no
setor:
— Tenho um ex-sócio que mora em Miami e ele está impressionado com os salários no Brasil. Ele não consegue contratar outsourcing (contratação de serviços de profissionais remotamente) daqui.
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