O Edu foi à multidinha. Tinha um negro
A partir do Miro, o Conversa Afiada chegou ao interessante relato do Edu, que se deu ao luxo de ir à multidinha:
No início da tarde de 12 de
outubro de 2011, comecei a ver na internet notícias de que uma das
marchas contra a corrupção que a mídia vinha anunciando havia semanas
reunira milhares em Brasília. Apesar disso, não se encontrava notícias
de outras capitais. Por volta das 15 horas, então, por morar próximo ao
Masp, local de partida da marcha de São Paulo, decidi ir até lá tentar
entender esse movimento “apartidário” e “contra a corrupção”.
Todavia, cheguei tarde ao local
de partida da “marcha”. Encontrei um grupo de cerca de 50 pessoas.
Segundo os presentes, a marcha maior partira rumo ao centro da cidade
havia alguns minutos. Os que ficaram no Masp, segundo disseram, romperam
com a maioria que decidira marchar pela avenida Paulista, depois pela
avenida da Consolação, depois pela rua Xavier de Toledo até chegar à
Praça Ramos de Azevedo, diante do Teatro Municipal, onde o ato chegaria
ao fim após alguns discursos.
Já no cruzamento da avenida
Paulista com a Consolação, vendo que o tráfego continuava engarrafado
rumo ao centro, apressei o passo. No caminho, encontro o blogueiro
mineiro Tulio Viana e a esposa, a também blogueira Cintia Semiramis,
descendo de um táxi em frente a um hotel. Falo com eles rapidamente e
continuo caminhando, mas só vejo congestionamento e nada de
manifestação.
Vou andando e vejo gente
vestida a caráter para uma manifestação daquela natureza. Estavam indo
na mesma direção ou voltando em sentido contrário. Alguns com caras
pintadas de verde e amarelo, outros até portando cartazes e bandeiras do
Brasil. Paro um casal em suas bicicletas, identifico-me como blogueiro
político e pergunto se me poderiam dar uma rápida entrevista.
Ali começo a fazer a série de
perguntas que faria nas outras 26 entrevistas durante as cerca de duas
horas seguintes. Pergunto, basicamente, o seguinte:
1 – Como você tomou conhecimento da manifestação?
2 – Por que você decidiu participar dessa manifestação?
3 – Você lê a revista Veja, a Folha de São Paulo ou o Estadão?
4 – Você acha que hoje há mais corrupção no Brasil do que há dez anos?
5 – Você acha que hoje o Brasil é um país pior, igual ou melhor do que há dez anos?
6 – Quantas pessoas você acha que há nessa manifestação?
A bela e esguia jovem de pele
bem branca e cabelos lisos, negros e bem cuidados, vestindo roupa de
malha dessas que se usam em academias e um short jeans, e o rapaz forte,
alto, vestindo short e camiseta, a quem ela chamou de “amor”, não
desceram das suas bicicletas para me dar entrevista, apesar de terem
sido simpáticos e receptivos. Eis as suas respostas consensuais:
1 – Souberam da manifestação pelo Facebook
2 – Foram se manifestar devido ao aumento da corrupção
3 – Lêem Folha e Veja
4 – Disseram que hoje há muito mais corrupção do que há dez anos
5 – Disseram que hoje o Brasil é um país muito pior do que há dez anos
6 – Estimaram que a manifestação reuniu em torno de três mil pessoas.
Consigo encontrar a marcha só
quando chego ao limiar da rua Xavier de Toledo, a algumas quadras do
teatro da Praça Ramos de Azevedo. Correra por quarteirões e já estava
pondo os bofes para fora e suando em bica. Continuo caminhando, agora,
mas meus passos ainda são mais rápidos do que os da marcha.
Vou parando os policiais, no
caminho, e pedindo estimativa do número de manifestantes. Alguns falam
em quatrocentos, outros falam em quinhentos, outros falam oitocentos.
Quando encontro o oficial da PM responsável pela operação que acompanhou
a manifestação, porém, o número muda: o capitão, um simpático oriental
de óculos, diz que a PM estima o público em “três mil pessoas”.
Decido ultrapassar a marcha
quando vislumbro o Teatro Municipal ao fim da Xavier de Toledo. Começo a
correr. Chego ao Teatro e subo a escadaria. Começo uma contagem. Contei
umas setecentas pessoas. Parecia mais porque a rua estava cheia de
transeuntes. Mas como os manifestantes caminhavam pela via dos veículos,
deixando a calçada para os transeuntes, consegui fazer uma contagem que
julgo bem razoável.
Começo, então, a me esgueirar
entre a multidão a fim de fazer aquela série de perguntas mencionada
mais acima. As únicas divergências para o casal de ciclistas que obtive
foram no que diz respeito a quem lê Folha, Veja e Estadão, quanto ao
número de manifestantes e quanto à forma como essas pessoas ficaram
sabendo da manifestação.
A maioria, em 19 entrevistas,
lê algum desses veículos, seja em papel ou pela internet, e os números
que os entrevistados diziam haver de manifestantes iam de quinhentos a
dez mil. Quanto à forma pela qual tomaram conhecimento da manifestação,
citaram e-mails, jornais, revistas, boca a boca, blogs e sites, Twitter e
Facebook.
Das 27 entrevistas, em 26 ouvi
das pessoas que estavam lá por acharem que há muita corrupção. Essa
maioria esmagadora afirma que há mais corrupção hoje no Brasil do que há
dez anos e que hoje o país está muito pior do que há dez anos até na
economia. Ou, como ouvi muito, “O país está pior em todos os sentidos”.
Na maioria das entrevistas, as
pessoas acabaram atacando o PT, Lula, Dilma ou todos juntos. Quase todos
disseram que a culpa pela corrupção é desse partido. O mais xingado
foi, de longe, Lula. Um casal, inclusive, falou em impeachment de Dilma
caso “a coisa continue a piorar”. Só um casal jovem que estava lá porque
passava pelo local disse que hoje a corrupção aparece mais porque há
mais informação e que o país está muito melhor hoje do que há dez anos.
Entre os organizadores do ato,
descobri que estavam movimentos como o “Defenda São Paulo”, muitos
alunos da universidade Mackenzie (havia até um professor contando, ao
microfone, como ajudou a recrutá-los em sala de aula), a “juventude do
PSDB” e o grupo Anonymous. Uma das entrevistadas se disse “militante do
partido”, mas quando perguntei de que partido ela desconversou e passou a
me ignorar, não mais respondendo as perguntas. E sumiu em seguida.
Por volta das 17 horas, fiz a
última entrevista. Escolhi o que quase não se via na manifestação: um
negro. Fiz a série de perguntas e ele, que se identificou como “Tiago”,
estudante de Direito da universidade Unip, leitor da Veja e do Estadão,
concordou com os outros que hoje há mais corrupção e que o país está
pior do que nunca. Mas disse não entender por que não havia mais negros,
ali. E arrematou: “É uma manifestação branca”.
Sintonia Fina - Conversa Afiada
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