7 de abr. de 2013

MERVAL E DORA QUEREM AP 470 SEM RECURSOS DOS RÉUS


Dois dos colunistas que ajudaram a pautar o julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal, Merval Pereira e Dora Kramer começam agora a preparar o terreno para que o STF encerre o julgamento sem sequer abrir espaço para os embargos dos réus; colunas deste domingo sinalizam pressa para que os réus sejam rapidamente encarcerados...

247 - Dora Kramer e Merval Pereira estão apressados. E, no que depender deles, os réus da Ação Penal 470 deverão ser presos rapidamente sem ter direito sequer aos chamados embargos declaratórios e infringentes, que são recursos para questionar pontos obscuros das decisões. Começa a ser preparado o terreno para mais uma inovação jurídica no processo do chamado mensalão.
Leia abaixo:
Sistema capenga - DORA KRAMER
Pode ter sido por negligência, excesso de trabalho ou simplesmente inércia, mas fato é que durante mais de duas décadas o Supremo Tribunal Federal se manteve omisso diante de uma questão que terá finalmente de enfrentar no desdobramento do julgamento do mensalão.
Vamos por partes porque o assunto é árido e intrincado.
A decisão final e formal, chamada acórdão, está para ser publicada. Isto feito, os defensores dos réus apresentam o que vamos nominar aqui como "recursos" para facilitar o entendimento, mas que os advogados chamam de instrumentos de garantia da ampla defesa.
São de dois tipos: embargos de declaração e embargos infringentes. Os primeiros são relativos a omissões, contradições ou obscuridades que a defesa alega terem ocorrido no julgamento. Referindo-se a eles é que o ministro Gilmar Mendes afirmou que os embargos não provocarão "nenhuma hecatombe".
O problema são os tais infringentes. Estes dão direito ao pedido de reformulação de sentença para aqueles condenados com um mínimo de quatro votos em favor da absolvição.
No caso do mensalão há 15 réus nessa situação. Doze em relação ao crime de formação de quadrilha (Marcos Valério, José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Rogério Tolentino, Pedro Corrêa, João Cláudio Genu, Enivaldo Quadrado, Roman Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabelo e José Roberto Salgado) e três condenados por lavagem de dinheiro (João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg).
Tudo entendido até aqui? Pois fiquem sabendo as senhoras e os senhores que a questão não é pacífica. Será certamente posta em discussão pelo Ministério Público ou por algum ministro da Corte, sob a alegação de que não cabem esses recursos em julgamentos de instâncias superiores, cuja decisão na essência não poderia ser modificada.
Ocorre, porém, que o regimento interno do Supremo prevê os embargos infringentes. Mas a Constituição de 1988 retirou do Judiciário o poder normativo, desde então prerrogativa exclusiva do Congresso. Tanto que o Superior Tribunal de Justiça, criado após aquela data, não diz nada sobre embargos infringentes. O STF poderia, então, atuar em dissonância com os procedimentos do STJ?
A polêmica de verdade não é com a Constituição, mas com a lei 8.038, de 1990, que disciplina o julgamento de ações penais nesses dois tribunais. Essa legislação nada diz sobre aqueles embargos. Então, o que prevaleceria, o regimento do Supremo ou a lei? Mais: a 8.038 revogou total ou parcialmente a norma interna do STF?
Se até aqui a coisa não se apresenta simples, fica mais complicada quando se pergunta qual a razão de o Supremo não ter adaptado seu regimento e por que, nesse período, aceitou examinar embargos infringentes embora, segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas, tenha dado ganho de causa em apenas um dos 54 casos julgados.
Consultado, o ministro Marco Aurélio Mello esclarece que ninguém invocou essa questão. Acha que o tribunal falhou ao não tomar a iniciativa: "Vivemos num vapt-vupt, precisando examinar cerca de 100 processos por semana, o tema passou batido, mas agora vamos necessariamente precisar enfrentar a discussão para não deixar que o sistema continue capenga".
O ministro não faz prognósticos sobre a posição majoritária da Corte, muito menos antecipa - nem lhe é perguntado - qualquer indício a respeito de que posição tomará.
Apenas reconhece que o Supremo se descuidou ao não enfrentar o tema no momento propício e que agora terá de fazê-lo em meio ao final de um julgamento que mexe com a percepção da sociedade em relação à eficácia da Justiça.
Para se preparar para a polêmica e formar sua convicção no tocante à disparidade entre a lei e o regimento, mandou nesta semana fazer uma pesquisa sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal em embargos infringentes de 1988 para cá.
Limites dos recursos - MERVAL PEREIRA
O Supremo tem pela frente uma discussão teórica que terá influência direta na defesa não apenas de alguns dos condenados no processo do mensalão, mas estabelecerá uma jurisprudência a partir de sua decisão. Trata-se da discussão sobre se a figura dos "embargos infringentes" ainda existe, diante da lei 8.038 que disciplinou integralmente a ação penal e não dispôs quanto aos embargos infringentes, como também a lei regedora da ação direta de inconstitucionalidade. Os "embargos infringentes" têm o objetivo de rever penas em que o réu condenado teve a seu favor pelo menos quatro votos.
Há bons argumentos dos dois lados e, sobretudo, a preocupação com a ampla defesa, que deve pesar na decisão final. O advogado Marcelo Cerqueira lembra que o Brasil é signatário de atos internacionais equivalentes a emendas constitucionais, entre os quais o direito à dupla jurisdição civil e criminal. "Além do mais, o Regimento Interno do Supremo o garante."
Cerqueira ressalta que Afonso Arinos ensinava que os regimentos internos, do Congresso e de qualquer de suas Casas e do STF "são leis materialmente constitucionais ou de tipo constitucional". E oferecia como exemplo: "É possível lei congressual modificar dispositivo do Regimento Interno do STF?" Não esperava pela resposta.
Cosmo Ferreira, promotor e procurador regional da República aposentado, considera que os "embargos infringentes" não existem mais, alegando que, além do fato de que a Lei 8.038, que "institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal", não ter tocado no assunto, o artigo 333, inciso I, do regimento do STF "foi revogado, ou não recepcionado, pela Constituição de 1988".
Com relação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ele diz que a redação do Artigo 8º fala em "direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior", e, como "sentença" é ato de juiz de primeiro grau, fica claro que o direito ao duplo grau de jurisdição é reservado "aos réus processados na instância inferior".
Já o procurador de Justiça no Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, respeitado constitucionalista, faz uma pergunta em recente artigo do "Consultor Jurídico" que teve boa receptividade entre os ministros do STF: como o Supremo pode fulminar uma lei por inconstitucional com seis votos e não pode decidir uma ação penal por sete votos? Para ele,
existem vários elementos complicadores à tese do cabimento de embargos infringentes em ação penal originária junto ao STF: "Qual é o papel do Regimento Interno do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um 'recurso processual' que a lei ignorou/desconheceu?"
Esses embargos infringentes previstos apenas no Regimento Interno do STF, ignorados pela Lei 8.038, "parecem esvaziados da característica de recurso. Logo, em face de tais alterações, já não estaríamos em face de um 'recurso de embargos infringentes', mas, sim, apenas em face de um 'pedido de reconsideração', incabível na espécie".
Para Streck, tudo está a indicar que o que possui efetivamente tal característica é a figura dos embargos infringentes previstos no segundo grau de jurisdição, "que são julgados, além dos membros do órgão fracionário, por mais um conjunto de julgadores que são, no mínimo, o dobro da composição originária". Para ele, não parece ser um bom argumento dizer que os embargos infringentes se mantêm em face do "princípio" do duplo grau de jurisdição, isto é, na medida em que um acusado detenha foro privilegiado e, portanto, seja julgado em única instância, isso faria com que o sistema tivesse de lhe proporcionar uma espécie de "outra instância".
"Esse argumento é meramente circunstancial e não tem guarida constitucional". Para ele, o foro privilegiado acarreta julgamento sempre por um amplo colegiado, que é efetivamente o juiz natural da lide. "Há garantia maior em uma República do que ser julgado pelo Tribunal maior, em sua composição plena? Não é para ele, o STF, que fluem todos os recursos extremos?", argumenta Streck.


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