23 de mar. de 2013

Obscenidades Catarinenses


 

Noite quente, casa lotada. A luz vai trocando de lugar com a fumaça, sinal de que em poucos minutos o show começa. Com suas longas orelhas de coelho, ela rebola, grita, canta, ri e bebe ao som de música eletrônica. Ela desce do palco, conversa com todos os presentes em um inglês tão apertado quanto as suas vestes fetichistas
E assim segue o espetáculo Kassandra, produzido pela La Vaca Productora de Arte, com a atriz Milena Moraes e direção de Renato Turnes. A temporada de estreia foi financiada pelo Prêmio Myriam Muniz, da Fundação Nacional das Artes (FUNARTE) de Teatro. Até então inédito no Brasil, o texto de Kassandra é do dramaturgo franco-uruguaio Sergio Blanco, que escreveu a peça propositadamente em um inglês precário para representar um idioma de sobrevivência. Outra exigência do autor é a de ser encenada em espaços não-convencionais. Em Florianópolis, Kassandra ganhou vida no Bokarra Club, a mais conhecida casa de “diversão adulta” da cidade.
O local de apresentação nunca foi um problema, até uma gravação de uma festa promovida pela prefeitura de Palhoça no Dia Internacional da Mulher com a participação de um gogo boy aparecer na mídia. Este fato levou o Governo Catarinense a condicionar a liberação dos recursos do Funcultural para a Maratona Cultural à mudança de local de apresentação de Kassandra, já que o espetáculo havia sido convidado a integrar a programação do evento.
O que o ânus tem a ver com as calças, ou melhor, com as orelhas? Só a mentalidade exótica dos governantes catarinenses e dos moralistas de plantão pode fornecer algum tipo de pista.
Além da decisão dos produtores de Kassandra de cancelar o espetáculo, o veto do governo catarinense provocou várias retiradas de outros espetáculos da programação da Maratona Cultural por parte dos produtores em solidariedade e protesto aos rumos da política cultural no Estado. Também se reproduzem a cada dia as manifestações de repúdio, como da Federação Catarinense de Teatro (Fecate), do Centro de Artes da Udesc e o do Fórum Setorial de Teatro.
Além da sociedade civil organizada, outras manifestações de protesto partem de indivíduos conectados à internet, como a “Maratona Cultural Livre”, uma plataforma colaborativa de mapeamento de atividades culturais independentes e a “Ocupação Coelho de Troia”, na qual os artistas, produtores e público são convocados a aderir ao movimento de protesto comparecendo aos eventos utilizando uma máscara de coelho, em alusão à personagem Kassandra.
O espetáculo Kassandra é inspirado na personagem mítica da Guerra de Troia: Uma princesa com o dom da vidência que é considerada louca e não consegue convencer seu povo do massacre iminente. Ao que parece, mais uma vez Kassandra encontrou seu trágico destino na ignorância dos homens.

SINTONIA FINA

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