19 de mar. de 2013

A mídia e a disputa pela hegemonia




Por Altamiro Borges

Avança o consenso nas esquerdas políticas e sociais de que a mídia exerce hoje papel central na disputa pela hegemonia na sociedade. Não há como avançar nas lutas dos trabalhadores, na radicalização da democracia e na própria superação da barbárie capitalista sem enfrentar o poder altamente concentrado e manipulador dos latifundiários da mídia. A luta pela democratização da comunicação, com o fim dos monopólios privados e com o estímulo à pluralidade informativa, passa a ser encarada como estratégica na atualidade.


Antonio Gramsci, intelectual e revolucionário italiano, já havia alertado para esta questão no início do século passado. Como apontou na época, principalmente nos momentos de crise da representação partidária das classes dominantes, a imprensa ocuparia a função de “partido do capital”. Ela se tornaria o principal “aparelho privado de disputa da hegemonia”. Hoje, com a construção dos gigantescos impérios midiáticos – menos de 30 no planeta e apenas sete no Brasil –, este papel nefasto ficou ainda mais proeminente.

Na América Latina, que de laboratório do neoliberalismo transformou-se em vanguarda na luta pela superação das teses destrutivas e regressivas do capital, esta distorção é ainda mais visível. A mesma mídia que apoiou os golpes e as ditaduras militares na região e que disseminou as teses do desmonte do estado, da nação e do trabalho, hoje substitui os partidos em crise das classes dominantes como a principal força opositora e desestabilizadora dos governos progressistas democraticamente eleitos pelo povo.

Mesmo no Brasil, onde a luta de classes ainda não atingiu maior radicalização, os barões da mídia tentam agendar a política, definir as prioridades e enquadrar os governos. A própria ex-presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, executiva do Grupo Folha, confessou recentemente que a mídia desempenha a “posição oposicionista” em função da “fragilidade da oposição”. Em vários episódios, a velha imprensa tem se comportado como a principal força opositora ao que ela mesma batizou de “lulopetismo”.

Nas eleições de 2010, esta postura ficou explícita. Cito três episódios grotescos para ilustrar. Ainda quando se definia a candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff como sucessora de Lula, a Folha de S.Paulo publicou na capa uma ficha policial falsa da postulante. Já na campanha, a TV Globo transformou uma bolinha de papel quase num míssil contra a careca do tucano José Serra. A mídia também fez um baita escarcéu com a questão do direito do aborto, reproduzindo frase de Mônica Serra de que Dilma “matava criancinhas”.

Um quarto episódio se deu nas eleições municipais do ano passado. Durante três meses, a mídia explorou ao máximo o julgamento do “mensalão do PT”. De forma seletiva, esbanjando alto padrão de manipulação, ela omitiu os escândalos envolvendo políticos da direita para interferir no processo eleitoral. O julgamento chegou a ser cronometrado. Não por coincidência, a condenação do núcleo político por “corrupção passiva” ocorreu na véspera do primeiro turno; já o da “formação de quadrilha” se deu na reta final do segundo turno.

A mídia perseguiu dois grandes objetivos no julgamento – num jogo combinado com o Supremo Tribunal Federal (STF). O primeiro foi tático, imediato, visando impedir o definhamento dos partidos da direita. O plano não obteve êxito completo, como atesta a derrota de José Serra na capital paulista. Mas em outras capitais e centros urbanos, a tática surtiu efeito ao alavancar candidaturas do bloco liberal-conservador. O segundo objetivo, mais estratégico, foi o de desmoralizar as esquerdas. A mídia tentou levar ao banco dos réus não apenas os chamados “mensaleiros”, mas todas as forças políticas e sociais que deram sustentação aos governos Lula e Dilma.

A partidarização da imprensa fica mais escancarada nos momentos decisivos das eleições. Mas ela não se manifesta somente nestes períodos. Ela se dá no cotidiano, tentando interferir nos rumos do governo. Agora mesmo a mídia concentra a sua artilharia contra as tímidas mudanças no “sagrado” tripé neoliberal. A mídia, que também é poder econômico, não esconde os seus vínculos com o capital, principalmente o financeiro, contrapondo-se à queda dos juros, ao controle do cambio e à maior flexibilidade nas políticas fiscais. Ela também fez terrorismo contra a redução das tarifas de energia elétrica, numa defesa implícita dos interesses dos ricos acionistas.

Os movimentos sociais já conhecem esta prática dos barões da direita. Historicamente, eles sempre foram criminalizados e satanizados em suas lutas. As greves de trabalhadores ou não são notícia ou são tratadas como atos de vandalismo, que congestionam o trânsito e prejudicam a sociedade. As ocupações de terra são rotuladas de invasões e os seus autores são taxados de bárbaros, que destroem a sacrossanta propriedade privada. As lutas estudantis são estigmatizadas como ações de minorias desocupadas e viciadas – coisa de “quadrilha”, como ocorreu na recente ocupação do prédio da reitoria da USP.

Exatamente por isso, os movimentos sociais têm avançado na consciência sobre o papel estratégico da luta pela democratização dos meios de comunicação, contra a ditadura midiática, e têm investido nos seus próprios veículos de informação e formação. Há ricas experiências de jornais sindicais, de rádios comunitárias, da construção de tevês alternativas – como a TVT. Neste esforço, eles contam hoje com novas ferramentas derivadas da brecha tecnológica aberta pela internet. O ativismo digital tem se convertido num poderoso contraponto à mídia hegemônica. Ainda é uma guerrilha diante dos exércitos regulares, mas tem avançado nas suas trincheiras.

O Brasil, inclusive, vivencia uma interessante experiência de organização destes ativistas digitais. Zelando pela unidade na diversidade, o chamado movimento dos blogueiros progressistas – batizado de Blogprog – já realizou três encontros nacionais e um fórum mundial em apenas três anos de existência. Além de participar da luta pela democratização da comunicação, unindo-se a outras entidades da sociedade civil – como o FNDC –, este movimento tem ajudado a dar maior visibilidade às lutas dos trabalhadores, contrapondo-se à criminalização patrocinada pelos barões da mídia. A direita nativa já sentiu a sua presença, tanto que os rotulou de “blogs sujos”.

Todo este esforço, porém, ainda não foi suficiente para pressionar o governo no sentido de enfrentar os monopólios da mídia. O Brasil permanece como um dos países mais atrasados na implantação de uma regulação democrática dos meios de comunicação. Até nas chamadas democracias ocidentais, tão badaladas pela velha imprensa, existem regras para evitar a concentração no setor e garantir mais diversidade e pluralidade na mídia. Na América Latina, a vitória de governos antineoliberais tem resultado na adoção de políticas públicas e de novas leis que estimulam a verdadeira liberdade de expressão – que não se confunde com a liberdade dos monopólios.

No Brasil, os governos oriundos das lutas democrática e populares firmaram pactos de não agressão com os barões da mídia. Como demonstra o professor Venício A. de Lima, no livro “Política de comunicações: um balanço dos governos Lula”, o ex-presidente optou por não enfrentar esse grave problema da democracia nativa. Algumas iniciativas até foram tomadas, como a constituição da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a redefinição da distribuição das verbas oficiais de publicidade. Mas elas foram muito tímidas. Já a atual presidenta, Dilma Rousseff, recuou ainda mais neste terreno minado, estabelecendo um curioso “namorico” com a mídia.

O governo não entendeu que “nas batalhas pela hegemonia, a centralidade dos meios de comunicação torna-se decisiva, visto que eles elaboram e disseminam informações e ideias que concorrem para a formação do consenso em torno de determinadas concepções de vida” – segundo definição do professor Dênis de Moraes, no livro “Vozes abertas da América Latina”. A ausência de convicção política sobre o caráter estratégico da mídia faz com que o governo se acovarde diante do tema, o que aumenta a responsabilidade dos movimentos sociais e dos ativistas digitais na luta pela conquista da verdadeira liberdade de expressão no Brasil.


SINTONIA FINA

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