6 de fev. de 2013

Jango, um presidente 'despreparado'?


João Goulart criou a primeira LDB da história brasileira, o Estatuto do Trabalhador Rural, além da Eletrobrás e do 13o. Salário. Poucos presidentes contribuíram tanto para o desenvolvimento do país. Mesmo assim, ainda hoje, é injustamente atacado por pessoas mal informadas a respeito das suas realizações.

Por Marcos Doniseti
O jornalista e economista Luis Nassif escreveu um texto no qual fez várias e infundadas críticas ao então presidente da República João Goulart, o Jango. 
Irei comentar essas críticas agora, procurando demonstrar que elas são profundamente injustas com a figura pública de um político brasileiro que tanto contribuiu para o desenvolvimento do país e que tentou modernizá-lo dentro das regras do jogo democrático. 

1) 'Do período pré-posse à queda, Jango balançou entre esses dois movimentos: o da conciliação, típico da sua personalidade, e da radicalização, conduzido pelo cunhado Leonel Brizola. Sua indefinição derrotou-o'.

R - De fato, Jango sempre foi um político conciliador, desde o início da sua carreira política. E permaneceu assim até o fim. E quando se tornou presidente da República, manteve a coerência e continuou com a mesma postura. Isso explica porque ele concordou, por exemplo, com a adoção do Parlamentarismo, em Setembro de 1961, pois via na adoção do mesmo um mecanismo para diminuir as tensões políticas que, após a renúncia de Jânio, quase jogaram o país numa guerra civil. 
Mas não se pode esquecer que o então presidente João Goulart tentou viabilizar as 'Reformas de Base' através de reformas legais e constitucionais e não do uso da força. 
O problema é que tais reformas eram totalmente rejeitadas pelos grupos sociais mais conservadores (latifundiários, classe média tradicional, grande imprensa, multinacionais, etc), que viam na adoção das mesmas o início de um processo que levaria o Brasil a se tornar comunista. Era besteira, é claro, mas muitos acreditaram (e ainda acreditam...) nessa asneira. 
Os líderes conservadores mais lúcidos sempre souberam que Jango nunca tinha sido e nem era comunista, mas afirmavam que ele iria ser o 'Kerensky tupiniquim', como se o Brasil dos anos 1960 fosse reproduzir, de forma mecânica e automática, o mesmo processo revolucionário que se desenvolveu na Rússia em 1917 e que resultou no triunfo final dos Bolcheviques liderados por Lênin.
É claro que essa era uma 'análise' ridícula e superficial dos acontecimentos brasileiros do período, mas muitos acreditaram nestas bobagens monumentais.  
Assim, as forças políticas-sociais mais conservadoras fizeram de tudo e mais um pouco para inviabilizar as 'Reformas de Base' que o então presidente João Goulart desejava promover e dentro da legalidade.   Os projetos de lei que Jango enviou ao Congresso Nacional para se colocar em prática tais reformas foram rejeitados totalmente pelas forças mais conservadoras, que adotaram, portanto, uma postura  reacionária frente à necessidade de mudanças que democratizassem e modernizasse o país. 
Portanto, tais forças não queriam nem ouvir em 'Reformas de Base'. 
Já as forças nacionalistas e esquerdistas mais radicais defendiam tais reformas na 'Lei ou na Marra'.  
Tais grupos políticos defendiam o fechamento do Congresso Nacional e a sua substituição por uma Assembléia Constituinte exclusivamente formada por representantes destas forças nacionalistas e esquerdistas, enquanto que os conservadores e direitistas seriam excluídos da mesma.  
Tal proposta representava, inegavelmente, uma ruptura com a ordem política e legal existente e, virtualmente, colocava o Brasil no caminho de uma Revolução Nacionalista Radical. E era exatamente este o projeto político destes movimentos sociais nacionalistas e esquerdistas do período (UNE, CGT, Ligas Camponesas, PTB brizolista, etc). 
E não era apenas o ex-governador gaúcho e deputado federal Leonel Brizola que defendia tal caminho, mas a quase totalidade dos movimentos sociais do período (estudantil, sindical, camponês, intelectuais, etc), bem como líderes importantes como Miguel Arraes (então governador de Pernambuco e estrela ascendente da política brasileira nos primeiros anos da década de 1960) e Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas). 
Até mesmo o PCB, liderado por Luiz Carlos Prestes, que sempre havia sido um aliado de Jango e um dos principais defensores de um caminho legal e constitucional para se implantar as 'Reformas de Base', acabou mudando de posição nos meses anteriores ao Golpe de 1964 e se aliou aos grupos esquerdistas e nacionalistas radicais na defesa desta Revolução Nacionalista Radical. 
Jango sempre discordou desse caminho de radicalização e, mesmo depois, naqueles que foram os últimos meses de seu governo, quando decidiu se aliar com os grupos nacionalistas radicais, ele acabou adotando um caminho distinto daqueles que era defendido por tais grupos. Em vez de fechar o Congresso Nacional e se promover a sua substituição por uma Assembleia Constituinte, ele adotou a política de levar adiante a organização de uma série de grandes manifestações populares pelo país a fim de pressionar o Congresso Nacional para que o mesmo aprovasse as 'Reformas de Base'. E isso é perfeitamente legítimo numa Democracia. 
Assim, Jango repudiou o caminho da ruptura institucional, que era o defendido pelos grupos nacionalistas radicais (UNE, CGT, Ligas Camponesas, etc). 
E é bom que fique claro uma coisa: Brizola nunca esteve sozinho neste processo de defesa de uma ruptura institucional para se promover as 'Reformas de Base'. Na verdade, ele era um líder importante, sim, mas também era um porta-voz que defendia e expressava publicamente as idéias e propostas dos grupos nacionalistas radicais do período. 
Então, se Brizola errou ao agir dessa maneira, então esse erro foi coletivo, pois ele não estava sozinho ao adotar essa postura radical. O erro foi dos movimentos sociais como um todo que, entre outras coisas, superestimaram a sua força e subestimaram as forças dos adversários e dos inimigos, além de não perceberem que a maioria absoluta da população rejeitava o caminho da ruptura institucional defendido pelos grupos Nacionalistas Radicais. 
Pesquisas feitas na época demonstram maciço apoio popular às 'Reformas de Base', mas o povo queria que elas fosse realizadas dentro da legalidade, que era exatamente a postura do presidente João Goulart.
Portanto, não foi a indecisão de Jango que o derrubou, mas a radicalização do processo político-social que o país vivenciou naquele momento, com forças políticas e sociais poderosas que ou se opunham às mudanças ou que, então, desejavam promovê-las 'na lei ou na marra'. 
O fato concreto é que o governo Jango ficou isolado ao defender o caminho das 'Reformas de Base' dentro da legalidade, mesmo sendo esta a posição com a qual a maioria da população brasileira estava de acordo. 
Olha a 'Mãe do PIG' aí. A 'Tribuna da Imprensa', de Carlos Lacerda, acusava sem provas, mentia e distorcia os fatos na cara-dura. Qualquer semelhança com o PIG atual não é mera coincidência.
2) Os dois episódios mostram que Jango estava totalmente despreparado quando o cavalo da presidência passou encilhado por ele.

R - Não havia despreparo algum por parte de Jango, que foi um Presidente que tinha plena consciência dos grandes problemas do país e que procurou resolvê-los, atráves do 'Plano Trienal' e das chamadas 'Reformas de Base', que eram defendidas pelo PTB (do qual ele, Jango, era o principal líder) desde os anos 1950.
E o governo de Jango foi responsável por iniciativas que contribuíram para o posterior desenvolvimento do país, como a implantação da Universidade de Brasília, sob o comando de Darcy Ribeiro, e que promoveu a modernização das universidades brasileiras. Até a Ditadura Militar copiou o modelo da UnB quando fez a sua reforma universitária, em 1969, embora a realizasse num ambiente de brutal autoritarismo, é claro. 
Os primeiros planos para construir uma gigantesca hidrelétrica no sul do país, que acabou resultando na construção da usina hidrelétrica de Itaipu, foram elaborados no governo Jango.
Seu governo também fez a primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) da história brasileira, que foi publicada em Dezembro de 1961, e lançou um imenso plano de investimentos no setor, para ampliar o acesso e melhorar a qualidade da educação brasileira. 
Jango também elaborou o Estatuto do Trabalhador Rural, que o respeitado intelectual marxista Caio Prado Jr. considerou como sendo mais relevante do que a Lei Áurea, para fazer com que os trabalhadores rurais tivessem acesso aos mesmos direitos dos trabalhadores urbanos. 
Aliás, quando foi ministro do Trabalho do governo democrático de Getúlio Vargas, entre Junho de 1953 e Fevereiro de 1954, Jango já havia manifestado a intenção de elaborar tal lei, mas foi impedido pelas pressões das forças conservadoras que fizeram uma campanha maciça para derrubá-lo do cargo depois que ele defendeu aumento de 100% para o salário mínimo, e que Vargas adotou. 
Para fazer com que os trabalhadores rurais conquistassem tais direitos, seu governo estimulou a sindicalização dos mesmos, conscientizando-os da necessidade de sindicalização para tirar tais direitos do papel e transformá-los em realidade. O resultado disso é que, durante o governo Jango, foram criados mais de 1500 sindicatos de trabalhadores rurais. Logo, Jango estimulou e apoiou a luta dos trabalhadores do campo pela conquista de direitos civilizatórios, e que já eram desfrutados pelos trabalhadores urbanos. 
O governo Jango também criou a Eletrobrás, que o governo democrático de Vargas havia tentado criar, mas que não havia conseguido, fato este que foi, inclusive, citado na Carta-Testamento de Vargas. E a empresa foi fundamental para, nas décadas seguintes, promover a ampliação e melhoria do sistema energético do país. Enquanto o sistema foi estatal, não tivemos mais racionamento de energia elétrica no país. Bastou o governo FHC privatizar as empresas de energia, que o racionamento voltou. Deve ter sido 'mera coincidência', é claro. 
E o presidente João Goulart também foi o responsável por colocar em prática aquela que era uma das principais reivindicações do movimento sindical da época, que foi a criação do 13o. salário (na época, era chamado de 'Abono de Natal). 
Seu governo também foi responsável pelo mais amplo plano de governo já elaborado no Brasil, até aquela época, que foi o 'Plano Trienal', de Celso Furtado (o mais brilhante economista brasileiro do período), que procurava resolver, ao mesmo tempo, os problemas econômicos-financeiros herdados dos governos JK e Jânio Quadros (inflação em crescimento, queda do crescimento da economia, contas públicas desequilibradas, queda do poder de compra dos salários devido ao aumento da inflação, déficit crônico das contas externas, etc).
Nenhum destes graves problemas econômicos-financeiros foi criado pelo governo Jango. 
Eles foram todos herdados dos dois governos anteriores, principalmente o de Jânio Quadros, que apesar de ter governado por pouco tempo (menos 7 meses), fez um acordo com o FMI que resultou numa catástrofe econômica e social para o Brasil, gerando um rápido aumento da inflação, o aumento do déficit e da dívida pública, um forte arrocho salarial e a intensificação do movimento grevista paras poder repor as perdas salariais acumuladas.
Mesmo assim,  Jango não ficou inerte, pois tentou resolver tais problemas, através do 'Plano Trienal' e das 'Reformas de Base'. 
O 'Plano Trienal' foi elaborado após Jango recuperar os poderes presidenciais, depois que num plebiscito mais de 80% dos eleitores votaram pelo retorno do Presidencialismo.
Tal plano, elaborado por Celso Furtado, era uma ambiciosa tentativa de, ao mesmo tempo, resolver a crise econômica-financeira que Jango herdara dos governos JK e de Jânio (principalmente deste) e de lançar as bases de um futuro processo de crescimento econômico, que havia despencado em 1961 e cujo ritmo já estava diminuindo no final do governo JK. 
Porém, o mesmo foi sabotado e inviabilizado pelos grupos políticos mais conservadores e direititas e também pelos radicais nacionalistas e esquerdistas da época que, somados, tinham a maioria absoluta no Congresso Nacional. 
A execução do Plano Trienal dependia de uma série de projetos de lei que precisavam ser aprovados no Congresso Nacional, mas como o governo Jango não tinha a maioria no Legislativo, o mesmo foi rejeitado, o que deixou o governo Jango sem um plano concreto para combater os principais problemas econômicos-financeiros do país que havir herdado dos governos anteriores. 
A biografia de Jango, escrita pelo historiador Jorge Ferreira, é fundamental para se compreender a importância de Jango e do seu governo para o desenvolvimento do Brasil. Entre outras realizações, Jango criou a Eletrobrás, em 1962, que modernizou e ampliou o sistema energético do país.
3) Moreira Salles renunciou, depois que Jango tentou empurrar goela abaixo um plano econômico preparado por seu assessor Cibilis da Rocha Viana. Mais tarde, Jango reconquistou o presidencialismo, atropelando o acordo político inicial. E indiciou Carvalho Pinto para Ministro da Fazenda tentando recuperar a confiança. E foi oscilando assim até o fim.

R - O Parlamentarismo foi adotado como um mero remendo para evitar uma guerra civil em 1961. 
Ninguém, de fato, na época, defendia essa excrescência parlamentarista e tampouco o levava a sério. 
Tanto isso é verdade que, quando da realização do plebiscito que restaurou o presidencialismo, este venceu com extrema facilidade, obtendo 82% dos votos. Tal plebiscito foi encarado, por muitas das forças políticas do período, como uma eleição que consagrou Jango, como este tivesse recebido os 82% de votos destinados ao presidencialismo.
Inclusive, o retorno do presidencialismo foi visto como algo positivo não apenas pelas forças nacionalistas radicais, mas também pela maioria das forças conservadoras que pensavam que, agora, Jango teria poderes suficientes para tirar o país da grave crise que o mesmo enfrentava.
Isso demonstrava a clara falta de sustentação popular e, logo, a mais do que evidente ilegitimidade do Parlamentarismo fajuto que foi implantado no Brasil naquele momento. 
E o governo que Jango montou após a adoção do Presidencialismo foi uma tentativa de, ao mesmo tempo, manter os canais abertos ao diálogo, tanto com os conservadores, como com as forças mais progressistas. Isso tanto é verdade que o ministério escolhido por Jango tinha representantes tantos das forças conservadoras, como das mais progressistas e representava,  claramente, uma tentativa de unir as forças políticas do país para superar a crise. 
A Grande Imprensa da época atacava impiedosamente aos governos Vargas, JK e Jango. A 'Última Hora' era o único jornal que defendia os governos de origem Trabalhista, bem como a modernização do país através das 'Reformas de Base'. 

4) Em nenhum momento Jango cuidou de preparar-se, junto às demais forças de Estado, como as Forças Armadas. Permitiu manifestações de que ajudaram a reforçar o discurso dos conspiradores, de quebra da hierarquia.

R - A atuação política dentro das Forças Armadas, por parte dos mais variados grupos políticos, sociais e ideológicos, eram uma tradição brasileira que vinha desde o Império. 
Afinal, quem proclamou a República, mesmo, e governou o Brasil entre 1889-1894? 

Quem liderou as revoltas tenentistas (1922, 1924) e organizou a Coluna Prestes entre 1925-1927? E o governo de Washington Luís, foi derrubado por quem, em Outubro-Novembro de 1930?
E quem implantou a Ditadura do Estado Novo? E quem derrubou Vargas em 1945 e em 1950, através de Golpes de Estado? 
Quem fez tudo isso? As Forças Armadas, é claro. 
E ainda tivemos as tentativas de Golpe de Estado para barrar a candidatura de JK, para impedir a sua posse e, depois, as revoltas militares de Jacareacanga (1956) e de Aragarças (1959), que foram tentativas de derrubar o governo de JK.
A UDN não fez outra coisa, entre 1945-1964, que não bater nas portas dos quartéis e estimular Golpes de Estado, pois pelo voto ela não conseguia chegar ao poder, tal como acontece agora com as forças conservadoras do país, representadas e defendidas pelo conglomerado PIG-PSDB-DEM-PPS. 
Sem falar do movimento Golpista de 1961, comandado pelos ministros militares, que visava impedir a posse de Jango na presidência da República, embora Jânio tivesse renunciado e João Goulart tivesse sido eleito diretamente para o cargo de Vice-Presidente da República, sendo o sucessor legítimo, portanto, como a Constituição da época deixava bem claro. 
Obs: Na época, as eleições para Presidente e Vice-Presidente da República eram separadas. Jango foi eleito Vice-Presidente, mesmo sendo integrante da chapa do Marechal Lott, que perdeu a eleição presidencial para Jânio Quadros. 
Portanto, estimular a quebra da hierarquia dentro das Forças Armadas para mudar o funcionamento do sistema político era uma das mais significativas tradições do país, mais forte do que o futebol, o carnaval e o samba somados. 
Se no período Republicano (1889-1964) o Brasil não era, exatamente, uma 'República Bananeira', sujeita a todo o tipo de frequentes e constantes Golpes de Estado, o fato é que o país não estava muito longe disso., não.
Assim, as Forças Armadas viviam sendo usadas, por diferentes grupos políticos-sociais (principalmente, no período 1945-1964, pelas forças mais conservadoras e direitistas) para ascender ao poder e assumir o controle do Estado. 
Até mesmo segmentos importantes da Esquerda, sob a liderança de Luiz C. Prestes e do PCB, tentou fazer isso uma vez, em 1935, mas se deu muito mal. 
Jango, propriamente dito, não apoiava nenhuma quebra da hierarquia dentro das Forças Armadas.
Ele apenas se recusava a punir disciplinarmente aos sargentos e marinheiros que, sob a influência da ação políticas das esquerdas nacionalistas radicais, estavam atuando politicamente dentro das mesmas. Mas, como vimos, isso era uma tradição enraizada na política brasileira do período Republicano. 
Outra tradição da política brasileira deste período Republicano era o de anistiar os militares que se rebelavam contra o governo do momento. Foi isso que aconteceu, por exemplo, com os militares que se rebelaram contra a posse de JK e, depois, com aqueles que tentaram derrubá-lo nas revoltas de Jacareacanga e de Aragarças. Os participantes destes movimentos golpistas foram todos anistiados, sem exceção. 
O que Jango defendia, portanto, era o de anistiar os marinheiros e sargentos que se rebelavam naquele período, mantendo e preservação uma tradição política de longa data do país. Sem saber diisso, é impossível compreender o motivo de Jango ter atuado da maneira que atuou no período.
O que o então presidente Jango questionava, na época, era o seguinte: Como é que pedem a punição de marinheiros e de sargentos, se quando são os Generais e os Coronéis que se rebelam contra o governo, ninguém pede pela punição dos mesmos, muito pelo contrário?
Apesar de ter governado o Brasil por menos de 7 meses, Jânio fez um acordo com o FMI que arruinou com a economia brasileira, desvalorizando a moeda nacional, aumentando fortemente a inflação, arrochando os salários e elevando o déficit e a dívida pública. Imaginem se ele tivesse governado por 5 anos, o que não teria feito?
Assim, qualquer semelhança entre o tratamento diferenciado dado pela Justiça brasileira (mesmo na atualidade) com relação aos condenados originários das camadas mais pobres e aqueles que vieram dos grupos sociais mais ricos, não é mera semelhança. 
Estão aí o Carlinhos Cachoeira e o Daniel Dantas que não deixam ninguém mentir...
E o mais curioso é que as forças conservadoras que acusavam Jango de quebrar a hierarquia dentro das Forças Armadas eram justamente as mesmas que haviam promovido inúmeras tentativas de Golpes de Estado no período 1945-1964. 
Pode isso, Arnaldo?
Esses conservadores e direitistas do período 1945-1964 se pareciam com o atual PSDB-DEM, que falam  o tempo todo em 'ética e moralidade', enquanto que eles tem muitos dos seus integrantes envolvidos em todo o tipo de irregularidade (vide Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Eduardo Azeredo, Cássio Cunha Lima, Yeda Crusius, Marconi Perillo, José R. Arruda, etc). 
O presidente Jango cometeu erros, sim, mas ele foi, principalmente, uma grande vítima de um contexto político interno de intensa e crescente radicalização (e que já havia começado antes do seu governo) tanto por parte das forças conservadoras, como por parte dos nacionalistas e esquerdistas radicais. 
O fato concreto é que estes dois grupos, naquele momento, defendiam soluções autoritárias para os problemas do país. 
Embora as forças conservadoras, originalmente, não fossem contra a posse de Jango na Presidência da República, em 1961, elas trataram de inviabilizar as 'Reformas de Base' que o mesmo tentava colocar em prática via mecanismos legais e constitucioinais. E fizeram o mesmo com o 'Plano Trienal', que também foi rejeitado pelas mesmas. E quando elas perceberam que o governo Jango não abria mão de promover as 'Reformas de Base', as forças conservadoras embarcaram na canoa dos golpistas e apoiaram o Golpe de 01/01/1964. 
Inclusive, quando o Golpe de Estado contra Jango estava já a pleno vapor, o então comandante do II Exército, Amaury Kruel, disse à ele que se o mesmo se afastasse dos movimentos sociais nacionalistas e esquerdistas (CGT, UNE, etc) ele poderia concluir o seu mandato. É claro que o presidente Jango recusou tamanha humilhação e preferiu cair em pé, mas jamais se submeteu aos seus inimigos,  inclusive tentando organizar, de última hora, uma resistência ao movimento golpista. 
Mas quando Jango se deu conta de que tal resistência seria inútil, visto que as forças do movimento golpista eram imensamente superiores (inclusive, contando com a imediata mobilização militar dos EUA, através da 'Operação Brother Sam'), ele preferiu sair do país, no dia 04/04/1964, a fim de impedir que as forças nacionalistas fossem massacradas pelos seus inimigos, como de fato teriam sido caso optassem pela resistência, pois o movimento golpista da Direta, desta vez, estava preparado não apenas para promover um Golpe de Estado (tal como tinham feito em 1945, 1950, 1955, 1956, 1959 e 1961) mas também para levar adiante uma Guerra Civil, situação para a qual as forças do Nacionalismo Radical não estavam preparadas, muito pelo contrário. 

O governo de João Goulart também adotou uma política externa soberana, de defesa dos interesses do Brasil, e fez isso mesmo em um cenário internacional altamente conturbado, principalmente na América Latina. 

Após a vitória da Revolução Cubana, o governo dos EUA (liderado pelo 'Liberal' John Kennedy) passou a pressionar violentamente aos governos latino-americanos para que rompessem relações diplomáticas com  o governo de Fidel Castro. 

Apesar disso, o governo de Jango se recusou a atender as imposições ianques e manteve o Brasil de independência frente aos interesses dos EUA, inclusive votando contra a expulsão de Cuba da OEA e condenando a invasão da Baía dos Porcos. 

O rompimento com o governo de Fidel Castro aconteceu apenas na Ditadura Militar, no governo patético e submisso de Castello Branco. Este ditadorzinho de plantão era tão submisso aos interesses dos EUA e puxava tanto o saco do governo ianque, que este mesmo pediu para que não puxasse com tanta força, pois já estava doendo muito... 

A recusa de Jango em mudar a política externa brasileira, adaptando-a aos interesses dos EUA, foi um dos motivos que levou o governo ianque a apoiar o movimento golpista que derrubou o governo democrático, legítimo e constitucional brasileiro da época. 
Portanto, entendo que as críticas feitas pelo Luis Nassif ao ex-presidente João Goulart são infundadas e injustas, em minha modesta opinião. 
O governo Jango foi inviabilizado, fundamentalmente, porque o seu líder recusou-se a adotar tanto a solução autoritária defendidas pelos Nacionalistas Radicais (CGT, UNE, Ligas Camponesas, intelectuais, etc), como também porque se recusou de abrir mão de promover as 'Reformas de Base' (como desejavam os grupos sociais mais conservadores) e que eram essenciais para se desenvolver e modernizar o Brasil, combinando Democracia, Liberdade e Justiça Social.
Jango acabou se tornando, embora isso ainda não tenha sido reconhecido, um 'Mártir da Democracia', na qual ele acreditou até o fim, como sendo a melhor maneira de resolver os problemas do país. 
O Golpe de 64, que derrubou o governo de João Goulart, deu origem a uma Ditadura Civil-Militar que durou intermináveis 21 anos (1964-1985), que aniquilou com as liberdades democráticas e atrasou o desenvolvimento econômico, político, social e cultural do Brasil em, pelo menos, um século. Até hoje sofremos as consequências dessa excrescência. Ditadura Nunca Mais!
Quando essa Democracia desmoronou, fustigada pelos seus inimigos, à Esquerda e à Direita, o governo de Jango caiu junto. 
E o Brasil ingressou numa longa 'Era das Trevas', a da Ditadura Civil-Militar de 1964-1985, que foi apoiada de forma entusiástica por industriais, classe média, latifundiários, multinacionais, governo dos EUA, Grande Imprensa (Folha, Globo, Estadão, etc), e também pela Igreja Católica (que, posteriormente, vendo os crimes horripilantes que a ditadura cometia passou a lhe fazer oposição).
E até hoje o Brasil não conseguiu consertar e corrigir os estragos promovidos por essa Ditadura abjeta, criminosa e corrupta que atrasou o desenvolvimento econômico, social, político e cultural do país em, pelo menos, um século. 
Na história do país, a única coisa pior do que a Ditadura Civil-Militar de 1964-1985 foi a Escravidão, que durou mais de 350 anos e que deu origem a uma Elite reacionária e de mentalidade escravocrata que resistiu e chegou até os dias atuais. 
Infelizmente. 
Obs:
Para conhecer melhor esse período extremamente importante da história brasileira, que foi o do governo João Goulart, sugiro os seguintes livros (já li todos eles e são muito bons):
1) 'João Goulart - Uma Biografia', de Jorge Ferreira;
2) 'João Goulart - Entre a Memória e a História' - de Marieta de Moraes Ferreira (org.);
3) 'O governo João Goulart - As lutas sociais no Brasil (1961-1964)', de Luiz Alberto Moniz Bandeira;
4) 'PTB - do Getulismo ao Reformismo' - de Lucília de Almeida Neves Delgado.
5) 'O Populismo e sua História' - de Jorge Ferreira (org.).
SINTONIA FINA

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