13 de fev. de 2013

A terceirização do serviço público: um mal desnecessário



Por: Fernando Cartaxo, Sociólogo


O enredo das mudanças nos cenários políticos e do poder, quase sempre, guardam 
marcas comuns. 
Um traço que se repete é a mudança das cadeiras e a revoadas das pessoas de suas 
funções e cargos. Nada obra do acaso, mas fruto genuíno de nossa tradição 
patrimonialista 
e do
 jeitinho brasileiro de improvisar os estamentos burocráticos que conformam o Estado. 

Querer liberdade democrática e investimento público nas necessidades sociais 
faz parte do existir coletivo. Em geral, temos uma organização caótica nos 
diversos tentáculos da administração pública, invariavelmente dominada por 
funções de 
livre provimento.

Por outras palavras, a estrutura organizacional não se assenta em um quadro 
profissional, 
visto que são escassas as estruturas perenes de servidores concursados. 

Discutir as razões para essa enfermidade estrutural poderá nos levar para horizontes 
especulativos de diversas ordens e natureza. Mas será fundamental para vislumbrar 
as razões 
dos descalabros das políticas públicas. E detectar o horizonte futuro das mudanças. 
Pois há mudanças que fazem o novo, assim como existem mudanças que repaginam os 
velhos hábitos.

A verdade é que persiste a fragilidade na estrutura administrativa do Estado brasileiro, 
em todos os níveis e esferas. Ainda que sejam louváveis as iniciativas de concursos 
públicos anunciados e realizados, mesmo que ainda insuficientes para 
abarcar as necessidades
 reais de sustentação das políticas públicas. 


Há, de forma insofismável, uma defasagem historicamente alimentada que propicia 
ao jogo 
do poder o manuseio das escolhas e afinidades desse amontoado de cargos e funções. 

É bem real que uma das prendas da conquista do poder é deliberar sobre o manancial 
das nomeações e demissões dos diversos exércitos de servidores descartáveis, 
visando inclusive saciar a sede de correligionários e apoiadores.

Essa natureza desvirtuada do poder político é preservada, pois  funciona como 
uma força de 
atração e sedução das vontades políticas. É comum se fazer uso desses espaços 
para abrigar 
apoios políticos partidários e manutenção de grupos de poder. Essa anomia nas regras
 republicanas, que rasga os preceitos constitucionais da impessoalidade e da 
transparência 
nos atos de poder, 
tem sido negligenciada permanentemente, configurando e tornando-a natural como 
um dos a
tributos da conquista do poder. Independente do credo político e da coloração 
ideológica, tem funcionado como uma prática do nosso sistema político. 
Daí ser tênue a linha que separa o campo profissional da arena das disputas 
político-partidárias. A relação que se estabelece é de compadrio e reciprocidade 
política, mesmo se utilizando o universo sagrado dos serviços públicos e dos valores 
republicanos que devem norteá-lo.

Não é à toa que existe uma corrente que prega o que reza a Constituição, ou seja,
 delimitar o acesso ao serviço público, única e exclusivamente, por meio do concurso 
público. 
Seria um salto civilizatório por permitir uma maior profissionalização e aperfeiçoamento 
do serviço público. 
Além, é claro, que se tornaria inoperante a vassalagem política e o uso das máquinas 
públicas em campanhas eleitorais.

A questão de fundo se resume a nossa capacidade de transformar a própria visão 
sobre o que são as políticas públicas e qual é o real papel do serviço público. 
Exige uma mudança nos padrões de nossa cultura política Por enquanto, não temos 
como contestar que essa prerrogativa tem sido usada, desde os primórdios, como 
moeda de troca política. E o mais grave, esse desvio de função vem engordando um 
mercado paralelo de empresas que se valem da fragilidade da estrutura governamental 
para sugar os recursos públicos, onerando os custos reais na prestação de serviços. 
A denominada terceirização do serviço público é uma porta aberta para o desvio de
 recursos 
públicos e a corrupção. O trabalhador terceirizado representa um custo de três 
a quatro vezes 
o valor de seu salário para o erário público, uma destemperada incongruência na 
idolatrada e inalcançada racionalidade administrativa.


Os novos gestores municipais tem se defrontado com essa realidade incômoda. 
Desmontar essa arapuca é ferir muitos interesses. Mas o único interesse que 
esse modelo administrativo arcaico tem atingido, do ponto de vista constitucional 
e ético, 
é o do próprio interesse público. Portanto, mudanças reais e profundas exigem 
mais do que 
ousadias de festins. É preciso encarar a realidade e transformá-la na raiz. 
Mudar o decote 
e a cor do batom não significa mudar atitudes e comportamentos. A moralização
 administrativa só virá quando mudanças ocorrerem no próprio modelo de administrar 
e na racionalidade de adotar novas posturas. A questão da terceirização do serviço 
público é um bom exemplo para uma reflexão consistente dos desafios e rumos para as 
novas gestões. Em todas as cidades brasileiras onde o poder mudou de mãos vive-se 
o dilema da transição, o rearranjo de forças no poder e o imponderável sentido das 
transformações.

Em Fortaleza, o prefeito Roberto Cláudio tem promovido uma verdadeira degola no 
universo de cerca de 30 mil terceirizados que encontrou na administração municipal. 
Até aí tem cumprido 
o ritual político, como todos os outros comandantes da nau dos insensatos. 
Todos os partidos agem com a mesma intolerância, alguns com mais prudência 
e critérios, mas todos cometendo injustiças pontuais com alguns servidores dedicados 
e competentes. A expectativa é que essa atitude radical seja embasada em mudanças 
estruturais e que seja decretada a falência, de forma gradual e permanente, 
do modelo de gestão terceirizada. 
Essa sim é a mudança de substância, com a programação de arrojado 
calendário de concursos públicos. 
O resto é perfumaria e dor.

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