Por: Fernando Cartaxo, Sociólogo
O enredo das mudanças nos cenários políticos e do poder, quase sempre, guardam
marcas comuns.
Um traço que se repete é a mudança das cadeiras e a revoadas das pessoas de suas
funções e cargos. Nada obra do acaso, mas fruto genuíno de nossa tradição
patrimonialista
e do
jeitinho brasileiro de improvisar os estamentos burocráticos que conformam o Estado.
Querer liberdade democrática e investimento público nas necessidades sociais
faz parte do existir coletivo. Em geral, temos uma organização caótica nos
diversos tentáculos da administração pública, invariavelmente dominada por
funções de
livre provimento.
Por outras palavras, a estrutura organizacional não se assenta em um quadro
profissional,
visto que são escassas as estruturas perenes de servidores concursados.
Discutir as razões para essa enfermidade estrutural poderá nos levar para horizontes
especulativos de diversas ordens e natureza. Mas será fundamental para vislumbrar
as razões
dos descalabros das políticas públicas. E detectar o horizonte futuro das mudanças.
Pois há mudanças que fazem o novo, assim como existem mudanças que repaginam os
velhos hábitos.
A verdade é que persiste a fragilidade na estrutura administrativa do Estado brasileiro,
em todos os níveis e esferas. Ainda que sejam louváveis as iniciativas de concursos
públicos anunciados e realizados, mesmo que ainda insuficientes para
abarcar as necessidades
reais de sustentação das políticas públicas.

Há, de forma insofismável, uma defasagem historicamente alimentada que propicia
ao jogo
do poder o manuseio das escolhas e afinidades desse amontoado de cargos e funções.
É bem real que uma das prendas da conquista do poder é deliberar sobre o manancial
das nomeações e demissões dos diversos exércitos de servidores descartáveis,
visando inclusive saciar a sede de correligionários e apoiadores.
Essa natureza desvirtuada do poder político é preservada, pois funciona como
uma força de
atração e sedução das vontades políticas. É comum se fazer uso desses espaços
para abrigar
apoios políticos partidários e manutenção de grupos de poder. Essa anomia nas regras
republicanas, que rasga os preceitos constitucionais da impessoalidade e da
transparência
nos atos de poder,
tem sido negligenciada permanentemente, configurando e tornando-a natural como
um dos a
tributos da conquista do poder. Independente do credo político e da coloração
ideológica, tem funcionado como uma prática do nosso sistema político.
Daí ser tênue a linha que separa o campo profissional da arena das disputas
político-partidárias. A relação que se estabelece é de compadrio e reciprocidade
política, mesmo se utilizando o universo sagrado dos serviços públicos e dos valores
republicanos que devem norteá-lo.
Não é à toa que existe uma corrente que prega o que reza a Constituição, ou seja,
delimitar o acesso ao serviço público, única e exclusivamente, por meio do concurso
público.
Seria um salto civilizatório por permitir uma maior profissionalização e aperfeiçoamento
do serviço público.
Além, é claro, que se tornaria inoperante a vassalagem política e o uso das máquinas
públicas em campanhas eleitorais.
A questão de fundo se resume a nossa capacidade de transformar a própria visão
sobre o que são as políticas públicas e qual é o real papel do serviço público.
Exige uma mudança nos padrões de nossa cultura política Por enquanto, não temos
como contestar que essa prerrogativa tem sido usada, desde os primórdios, como
moeda de troca política. E o mais grave, esse desvio de função vem engordando um
mercado paralelo de empresas que se valem da fragilidade da estrutura governamental
para sugar os recursos públicos, onerando os custos reais na prestação de serviços.
A denominada terceirização do serviço público é uma porta aberta para o desvio de
recursos
públicos e a corrupção. O trabalhador terceirizado representa um custo de três
a quatro vezes
o valor de seu salário para o erário público, uma destemperada incongruência na
idolatrada e inalcançada racionalidade administrativa.
Os novos gestores municipais tem se defrontado com essa realidade incômoda.
Desmontar essa arapuca é ferir muitos interesses. Mas o único interesse que
esse modelo administrativo arcaico tem atingido, do ponto de vista constitucional
e ético,
é o do próprio interesse público. Portanto, mudanças reais e profundas exigem
mais do que
ousadias de festins. É preciso encarar a realidade e transformá-la na raiz.
Mudar o decote
e a cor do batom não significa mudar atitudes e comportamentos. A moralização
administrativa só virá quando mudanças ocorrerem no próprio modelo de administrar
e na racionalidade de adotar novas posturas. A questão da terceirização do serviço
público é um bom exemplo para uma reflexão consistente dos desafios e rumos para as
novas gestões. Em todas as cidades brasileiras onde o poder mudou de mãos vive-se
o dilema da transição, o rearranjo de forças no poder e o imponderável sentido das
transformações.
Em Fortaleza, o prefeito Roberto Cláudio tem promovido uma verdadeira degola no
universo de cerca de 30 mil terceirizados que encontrou na administração municipal.
Até aí tem cumprido
o ritual político, como todos os outros comandantes da nau dos insensatos.
Todos os partidos agem com a mesma intolerância, alguns com mais prudência
e critérios, mas todos cometendo injustiças pontuais com alguns servidores dedicados
e competentes. A expectativa é que essa atitude radical seja embasada em mudanças
estruturais e que seja decretada a falência, de forma gradual e permanente,
do modelo de gestão terceirizada.
Essa sim é a mudança de substância, com a programação de arrojado
calendário de concursos públicos.
O resto é perfumaria e dor.
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