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O declínio do poderio dos EUA não se detém. Esta constatação é confirmada quando se analisam as decisões do governo Obama, como a anunciada (em janeiro de 2012) nova concepção de defesa que faz da China o alvo estratégico.
Por Alberto Cruz
O declínio do poderio dos EUA não se detém. Esta constatação, já pouco
questionável, é confirmada quando se analisam as decisões do governo
Obama, como a anunciada em prática em janeiro de 2012: uma nova
concepção de defesa desenvolvida a partir da Estratégia de Segurança
Nacional de 2010, que se tornou obsoleta em alguns pontos devido à
rapidez da mudança geopolítica dos últimos dois anos (como se reconhece
agora ao dizer que uma das razões que levaram os EUA a adotar a atual
mudança foi a constatação de que "não podemos prever com certeza
absoluta como vai evoluir o ambiente estratégico" nos próximos anos). Os
EUA falharam em suas previsões há dois anos e agora tentam curar-se
através de uma surpreendente, e incomum, quase autocrítica.Ao falar sobre política externa dos EUA, cuja base é o ESN, devemos partir de uma premissa: o desejo de seguir a estratégia delineada no início de 1950 por Hans Morgentahu, o teórico do realismo "político" nas relações internacionais, para quem "a política dos EUA na luta constante e perpétua de potência mundial, tem de ser desenvolvida em três formas: a política do status quo, a política de prestígio e política imperial" (1). Assumida como tal pelos EUA após a 2ª Guerra Mundial manteve-se inalterada por seis décadas, desenvolvendo-se com maior ou menor grau uma ou outra destas formas, tanto durante o período de confronto com a URSS na Guerra Fria como nas duas décadas em os EUA vem exercendo o papel de única superpotência mundial, após o colapso da União Soviética.
Sem entrar em considerações acadêmicas, é digno de nota que esses três pilares da política externa dos EUA têm sido aplicados, isoladamente e/ou em conjunto, sempre que os EUA considerem isso necessário para seus objetivos, independentemente de quem seja o ocupante da Casa Branca, e com o objetivo explícito de afirmar seus "interesses nacionais vitais" em todo o planeta.
Agora a situação mundial tornou impraticável esta histórica aplicação da política externa dos EUA. A emergência do eixo BRICs, especialmente a China; a rejeição aos EUA que se tornou visível nas rebeliões árabes, por diferente que seja de país a país; assim como o despertar regional latino-americano, com iniciativas que precisam se firmar, como a CELAC ou a Unasul, mas que demonstram o desejo de se afastar de seu vizinho ao norte, deixa como único eixo sobre o qual gira a dominação mundial dos EUA a política imperialista baseada na superioridade militar. Mas esta precisa confrontar-se com o declínio econômico que vai afetar em médio prazo a presença militar norte-americana em todo o mundo, razão pela qual os EUA agora se tornam um fervoroso partidário do "multilateralismo" e um defensor todo custo de organizações multinacionais como a ONU, assim como da busca de aliados que apóiam sua política (entre os países que formam a OTAN e, agora, a Liga Árabe).
Enfrentar este declínio é o que pretende a nova concepção de defesa que Obama anunciou em 5 de janeiro e que pode ser conhecida em detalhe em sua apresentação oficial de 26 de janeiro. O título do documento não poderia ser mais explícito: "Mantendo a liderança global dos EUA: Prioridades da Defesa para o século 21" (2). E que não é mais do que uma tentativa desesperada, que pode ser a última, de manter sua dominação do mundo.
Tradicionalmente nos EUA é usual que cada presidente apresente uma ESN própria. Isso não significa romper com a de seu antecessor já que, em muitos casos, elas não são mais do que uma simples continuidade. Isto é o que Obama fez ao chegar à presidência. Sua primeira ESN foi promulgada em 2010 (3); embora dissesse claramente que era uma ESN "transição", pois o Obama viu-se obrigado a enfrentar "os problemas e desafios contraídos anteriormente” (isto é, guerras de ocupação no Iraque e Afeganistão) em vez de enfrentar os "novos desafios" que surgiam no horizonte dos EUA. Esses "novos desafios" foram a Rússia, China e Indonésia (nessa ordem); o Oriente Médio foi considerado "seguro" - a atenção preferencial estava centrada no Irã - e aparecia uma menção algo preocupante em relação ao Brasil, visto como o eixo em torno do qual iria girar uma política latino-americana mais autônoma em relação aos EUA.
As revoltas árabes mostraram a errônea avaliação daquela ESN sobre o Oriente Médio, como percebeu depois. Por tê-lo considerado "seguro" os EUA foram pilhados claramente no contrapé e tiveram que ir a reboque do que foi ditado por sócios menores - como a Turquia e a Arábia Saudita (4) - que souberam aproveitar o desconcerto estadunidense e estabelecer-se como potências regionais até o momento em que os EUA ainda não foram capazes de recuperar o seu papel naquela região - não sendo provável que consigam fazê-lo nos termos em que tinham exercido o seu poder até agora.
Um exemplo é que, devido à crise econômica, se vê constrangido a reduzir significativamente o apoio econômico aos novos governos (ao Egito da junta militar só pode oferecer um bilhão de dólares). Por outro lado, a Arábia Saudita ganhou relevo econômico na região e pode comprar vontades políticas (Tunísia é o caso mais óbvio).
De forma simples, pode-se dizer que nas relações internacionais a riqueza fortalece o poder de uma nação e o poder é um meio para aumentar a riqueza. Os EUA não têm agora nenhum nem outro. A pergunta que quase todo o stablishment estadunidense se faz é: os EUA podem continuar sendo a maior potência mundial, mas sem exercer a mesma influência que antes desfrutava? (5) Como este é o caso, então os EUA precisam desenhar uma estratégia global que reconheça esta nova realidade. Isto é, nem mais nem menos, o que se pretende com a nova concepção de defesa que pretende "adequar" a ENS de 2010 aos novos tempos. E o fato dela ser apresentada em um ano eleitoral como é 2012 - em novembro ocorrerá a eleição presidencial - indica uma confiança na reeleição de Obama, ou que, como Bush já havia feito com o próprio Obama, este vai hipotecar os primeiros anos de uma eventual administração republicana. Por enquanto, e imersos em uma luta para ver quem será o adversário de Obama em novembro, os republicanos têm se referido à “nova” ESN com protestos leves considerando, muito simplesmente, que ela só supõe “desinvestimento” na indústria militar e uma “retirada [simbólica] dos EUA no mundo”.
Europa e Oriente Médio
Para começar, a nova concepção de defesa desenvolvida pela ESN de 2010 reconhece a crise econômica que o país atravessa e prevê uma redução de 487 bilhões de dólares no orçamento da defesa para 2020 e uma redução de 100.000 soldados (80.000 do Exército e 20.000 da Marinha). Ao mesmo tempo, propõe uma redução de gastos na compra de alguns aviões (em troca modernizaria outros, como o C-130) ou reconsiderando a relação com os "empreiteiros" e a retirada do serviço operacional de uma parte do equipamento militar, especialmente aviões (100 unidades C-5A Galaxy e C-130 Hercules). Prevê também a redução (não quantificada) do número de armas nucleares estratégicas, no que parece ser um aceno para a Rússia, que nesta nova concepção de defesa já figura como o segundo país que causa preocupação, e não como o primeiro, posto agora outorgado à China.
Embora seja real, a redução no orçamento militar tem algo de armadilha, posto que, com base na guerra contra a Iugoslávia (1999), e depois as do Afeganistão e do Iraque, o orçamento da defesa de 2010 foi quase o dobro que o de 1998. É precisamente com a retirada das tropas do Iraque e do Afeganistão que a administração Obama justifica a redução: "A pergunta que devemos fazer é: que tipo de estratégia militar necessitaremos depois que as guerras da última década terminarem", disse Obama em 5 de janeiro. E acrescentou: "precisaremos ter umas Forças Armadas ágeis, flexíveis e prontas para toda a gama de contingências e ameaças" (6). Para enfrentar estas "contingências e ameaças" três são as áreas fundamentais para o desenvolvimento da nova estratégia: 1) redução das forças convencionais dos EUA na Europa; 2) consolidar a presença dos EUA no Oriente Médio; e 3) a reorientação para a área Ásia-Pacífico. Vamos ver um pouco mais de perto.
1
A redução das forças dos EUA na Europa é a confirmação oficial do fim da Guerra Fria com a Rússia. Para os EUA o perigo principal não vem mais da Rússia (como estabelecia a ESN de 2010), mas da China e, em menor medida, do Irã, razão pela qual é preciso reacomodar as tropas em áreas próximas a estes países. A principal ameaça vem da China - a Rússia está rodeada pelos países da OTAN e para ela é apontado o "escudo antimísseis". É isto que explica o estabelecimento de uma base militar em Darwin (Austrália), as negociações para reabrir o Subic Bay, nas Filipinas, as negociações com o mesmo sentido com Vietnã e Tailândia e o reposicionamento de grande parte da frota naval tanto no Golfo Pérsico como no Mar da China Meridional e na área próxima ao Japão. Em 5 de fevereiro foi anunciada a mudança do acordo em vigor com o Japão para o "realinhamento" de parte dos 50.000 soldados estadunidenses acantonados na base de Futenma (Okinawa), para a ilha de Guam (7).
O documento também menciona várias vezes a importância adquirida pela OTAN como uma "âncora da esperança" da estratégia global dos EUA no século 21. É um fato muito conhecido que o papel da OTAN já não está circunscrito aos limites territoriais do Atlântico Norte. Sua presença no Afeganistão e Líbia são uma mostra evidente disso e, também, o acordo de 2008, à margem das estruturas da ONU (feito diretamente com o secretário-geral, o dócil Ban Ki-moon, que foi duramente criticado pela Rússia) para que a OTAN assuma o papel até agora desempenhado pelos "capacetes azuis" mda ONU. É por isso que os EUA se apoiam cada vez mais na OTAN para suas intervenções militares no exterior, buscando antes um sistema de alianças do que impondo sua clássica atitude unilateralista.
Mas redução de tropas não é retirada. Os EUA estão longe de retirar-se da Europa. A redução é necessária porque na Alemanha está surgindo um forte componente nacionalista que encara a presença militar estadunidense em seu território como uma inconveniência e não uma vantagem para seu próprio papel como potência regional. A Alemanha não participou da agressão contra a Líbia, por exemplo. O documento não reflete isso mas a imprensa estadunidense tem justificado dizendo que a redução prevista é conveniente “porque a Alemanha quer ser ela mesma” e que é preciso "um grande esforço de imaginação para pensar que a Rússia é uma ameaça para a Europa Ocidental”(8). Da Europa serão retiradas apenas duas brigadas de combate, uns 7.000 soldados, todos da Alemanha, país onde há 54.000 soldados estadunidenses; na Itália são 11.000; na Grã Bretanha são 9.400; na Espanha, 1.500; e apenas 68 na França - para citar apenas alguns países. Os EUA têm na Europa 80.000 soldados, de modo que a redução não atingirá sequer 10% do total.
Portanto, e como diz o documento, o que Washington propõe com esta ESN revisada é "aproveitar uma oportunidade estratégica para equilibrar o investimento militar dos EUA na Europa" para que possa se concentrar no desenvolvimento de "capacidades futuras" adequadas para "uma época de recursos limitados". O novo mantra é "defesa inteligente". Claro, "o compromisso dos EUA com o artigo 5º da Carta do Atlântico", isto é, vir em auxílio de qualquer país da OTAN que seja atacado, "continua firme".
Observe-se que a parte ocidental da Europa, não a oriental, é mencionada como uma zona livre da "ameaça" russa. O documento cita a Rússia como o país com o qual os EUA continuarão a se confrontar, de forma seletiva, pois assinala a “determinação dos EUA para envolver-se nos problemas de segurança e nos conflitos não resolvidos na Eurásia". Ou seja, Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão e Turquemenistão são países que a partir de agora passam a ser determinantes para os EUA. Com isso, os EUA pretendem debilitar o projeto russo-chinês de criar a União Euroasiática, decidido em outubro passado na visita de Putin a Beijing, durante a qual foi firmado um acordo estratégico entre os dois países para por fim ao poder do Ocidente (9). Consciente disso, a Rússia decidiu não ficar parada e em 6 de fevereiro anunciou o reforço das suas bases militares nas repúblicas caucasianas, a Abcásia e a Ossétia do Sul (10).
2
Seguindo o enredo sobre a Eurásia, a nova estratégia supõe que a Al-Qaeda se tornou "menos capaz", mas mesmo assim, é uma organização que está ativa e continuará a ser uma ameaça aos interesses dos EUA no "futuro imediato", porque teria "grupos latentes na Ásia e no Oriente Médio". Concretamente, o documento menciona Paquistão, Afeganistão, Iêmen, Somália "e outros lugares", sem especificar nos quais Al-Qaeda estaria presente.
EUA justifica a sua presença nestas duas regiões seguindo a estratégia de Bush de "guerra contra o terrorismo". O eixo entre as duas zonas é o Afeganistão. Neste país a nova ESN vê "uma mistura de ação direta e assistência a forças de segurança". Portanto, uma importante presença de tropas de combate norte-americanas e de forças especiais serão mantidas no Afeganistão por um longo tempo - por isso é que se deve relativizar a suposta retirada deste país. E a ameaça representada pela Al-Qaeda, esperam, pode proporcionar a desculpa necessária para que o governo colaboracionista de Cabul aceite o estabelecimento de bases militares permanentes dos EUA.
Uma vez que as revoltas árabes pegaram os EUA de surpresa - que, é preciso insistir, em 2010 considerada a área "segura" para os seus interesses - agora se refere ao Oriente Médio como uma zona em que os EUA enfrentam tanto "oportunidades estratégicas como desafios". As oportunidades são representadas pelos novos governos que surgiram após as revoltas, aos quais diz apoiar por compartilhar "as aspirações dos povos"; entre os desafios estão os "extremistas violentos" e a possibilidade de que consigam armas de destruição em massa. Em outras palavras, a mesma e brutal desculpa contra o Iraque ou o problema nuclear do Irã. É por isto que os EUA vão reforçar a segurança do Golfo Pérsico, "em colaboração com os países do Conselho de Cooperação do Golfo", com uma finalidade clara: "impedir que o Irã tenha armas nucleares e contrariar suas políticas desestabilizadoras". Aqui não vai mover um único soldado e, pelo contrário, pretende aumentar suas bases. E tudo isso ao mesmo tempo em que mantém seu "firme" compromisso com a defesa de Israel.
Mas dado que no Oriente Médio existam “agentes nãoestatais" capazes de desenvolver uma "guerra irregular" - um nome que começou a tomar corpo no Pentágono após a derrota de Israel na guerra contra o Hezbollah em 2006 - há que fortalecer uma Força Conjunta capaz de atuar tanto "contra o terrorismo como em uma guerra irregular, aprendendo com as lições da última década". E é significativo que em todo o documento só se mencione um desses "agentes nãoestatais": o movimento político-militar libanês Hezbollah, descrito como "organização terrorista".
Em todo momento "as forças estadunidenses irão operar, sempre que possível, com os aliados e as forças da coalizão". Esta é uma das principais inovações da nova estratégia de defesa e já está sendo posta em prática com a Liga Árabe.
3
Ásia-Pacífico
A forma de ação será tanto clássica - "uma campanha de armas combinadas em todos os domínios, terra, ar e mar" - quanto a guerra cibernética. Aqui é que entra o principal inimigo, a China, e o secundário, o Irã, a quem, pelo que se deduz do documento, é outorgado um poder neste campo muito maior do que se acreditva. Não surpreende, e parece ter causado muito prejuízo aos EUA a captura pelo Irã de um avião espião não tripulado de última geração RQ- 170 em dezembro de 2011, quando coletava informações em território iraniano.
Para os EUA, existem áreas que podem estar vetadas em curto e médio prazos. O documento fala dos "desafios" que enfrentam por parte de "adversários que usam a guerra assimétrica, incluindo a guerra cibernética e eletrônica, balística, mísseis de cruzeiro, avançados sistemas de defesa antiaérea, mineração e outros métodos para complicar nossos cálculos operacionais". E menciona dois desses adversários: “estados como a China e o Irã continuarão buscando os meios assimétricos para enfrentar o nossas capacidades e nosso poder."
A menção à mineração como uma ameaça só pode ser entendida se levarmos em conta que a China é o maior exportador das chamadas "terras raras" (controla 95% do comércio mundial) que contém minerais imprescindíveis para a indústria mais sofisticada. Atualmente, a China mantém um contencioso legal com a Organização Mundial do Comércio porque esta organização, por pressão dos EUA, proibiu a China de limitar suas exportações destas matérias primas em nome do "livre comércio". China respondeu a esta proibição com uma frase lapidar: "obter a aprovação do Ocidente não é a nossa principal preocupação", e ao mesmo tempo pediu expressamente a renovação das regras que regem a OMC: “a OMC não só deve defender o livre comércio, mas também permitir que seus membros tomem as medidas necessárias para proteger o meio ambiente e os recursos naturais”, disse o comunicado oficial do Ministério do Comércio (11).
É isto que leva os EUA a apontar “a necessidade de reequilibrar [sua presença] na região da Ásia-Pacífico". Esta se converteu na prioridade para os EUA, que sente uma necessidade da qual depende hegemonia como superpotência: a de enfrentar o desafio representado pelo crescente poder regional e global da China. Obama já havia dito no discurso de 5 de janeiro: "vamos fortalecer nossa presença na região Ásia-Pacífico, e as reduções orçamentárias não vão afetar esta região crítica". Portanto, e dado que as dificuldades financeiras são reconhecidas, se não cortarão aqui, vão fazê-lo em outro lugar. Esta é a razão pela qual agora agem na Europa da forma como têm feito, deixando fora do jogo material militar algo envelhecido e de modernização cara, e fazem acenos para a Rússia em relação ao arsenal militar.
O documento sobre a nova estratégia de defesa deixa isso claro: "os interesses dos EUA estão intimamente ligadas à evolução do arco que se estende do Pacífico Ocidental à Ásia Oriental, no Oceano Índico, e no Pacífico Sul". E não sobram dúvidas quando se lê adiante que, “em longo prazo o surgimento da China como potência regional (embora não reconheça sua categoria de superpotência, mesmo que já em 2018 ela será a primeira economia do mundo, oito anos antes do que havia sido previsto pela Goldman Sachs em 2011) poderá afetar a economia dos EUA e nossa segurança em uma grande variedade de formas". Curiosamente, em paralelo a este documento os EUA anunciaram que até 2018 vão dispor de uma base permanente de aviões não tripulados na Ásia. Por um lado, reduzem a parte obsoleta da força aérea; por outro, apostam em novas tecnologias e no uso de aviões não tripulados.
É claro, portanto, a intenção dos EUA de manter - e aumentar - sua presença militar no Golfo Pérsico e no Mar da China Meridional, embora justifique isso com o discurso do livre comércio e da liberdade de navegação: "Os EUA continuarão a exercer o seu papel global como superpotência para proteger a liberdade de acesso ao patrimônio mundial nas áreas que não estão sob sua jurisdição nacional e que constituem o tecido conjuntivo fundamental do sistema internacional". Em outras palavras: o petróleo. O caso do Golfo Pérsico é conhecido e não se pode esquecer que, no Mar da China Meridional, há uma disputa - incentivada pelos EUA - entre China e Vietnã pelas ilhas conhecidas como Spratly (Truong Sa para os vietnamitas, Nansha para os chineses), em cujas águas estima-se existirem enormes quantidades de petróleo e gás A ideia por trás da nova estratégia de defesa é muito semelhante à aplicada durante a Guerra Fria com a URSS: presença global e alguma demonstração de força para frear o avanço da China.
Além disso, se permite o luxo de recriminar a China por sua política militar: "o crescimento do poder militar da China deve ser acompanhada com maior clareza sobre suas intenções estratégicas para não provocar um enfrentamento na região". Óbvio, as intenções dos EUA são bastante claras pois querem controlar rotas marítimas vitais e grandes quantidades de petróleo e gás ainda inexplorados. Mas os chineses são duros de roer. O Exército Popular de Libertação já disse que "toma nota" da atitude dos EUA, a quem advertiu que se abstenha de continuar nessa linha (12).
O contra-almirante Yang Li, geoestrategista da Universidade de Defesa Nacional, disse que a pretensão dos EUA é "minar a modernização militar da China". Que diga isso um militar, é normal. Mas quando esse é o sentimento geral, como ficou expresso de forma cristalina em um editorial do jornal Global Times; ele pede ao governo chinês para "manter algumas iniciativas estratégicas em contraposição se à política dos EUA de contenção". Isto indica que se está a ponto de cruzar a linha vermelha daquilo que a China pode suportar. E se isso não bastasse, o jornal pede ao governo para "fortalecer as capacidades ofensivas de longo alcance com maior persuasão militar contra os EUA para que [os EUA] se precavenham de que não podem deter a ascensão da China e lhe convenha mais ser seu amigo” (13).
É óbvio que a China tem uma grande vantagem sobre os EUA na esfera econômica (em dezembro, o renminbi (yuan) alcançou um marco histórico em em relação ao dólar e já ocorrem transções econômicas sem usar o dólar no comércio exterior da China), mas o país ainda não está em condiçõesde alcançar a prioridade militar estratégica a curto prazo. Está se preparando para isso e, concretamente, para assegurar as rotas marítimas para seu comércio. A China já tem bases militares no exterior (Sri Lanka e Scheylles), desenvolveu seu primeiro porta-aviões e o super-avião J-20 - o caça bombardeio mais avançado do mundo até agora (14) - e realiza vôos de teste totalmente satisfatórios, mantendo muito preocupados os militares estadunidenses pois, quando estiverem em operação, eles já não terão a esmagadora superioridade aérea que têm agora.
Uma reflexão final
O impacto da nova estratégia de defesa em conflitos regionais e na política mundial só pode ser avaliado em médio e longo prazos. É previso ver se a afirmação sobre a intenção dos EUA de “renúnciar à doutrina de contrainsurgência, invasões territoriais e operações terrestres", como se lê no documento, é real ou não. Na Síria, parece que o estilo de intervenção militar ocorrido no Iraque pode ser descartado, pelo menos durante a duração da crise econômica. Como ocorreu na Líbia, parece que os EUA apostaram na troca da agressão militar clássica direta pelo incentivo à ação de seus sócios e subalternos da OTAN e da Liga Árabe.
Portanto, se o caso da Síria serve como um modelo de análise, embora se mantenha a pressão sobre o Irã, será impossível a mudança de governo encorajada pels EUA - e seus aliados no Conselho de Cooperação do Golfo - apenas com bombardeios. Se as guerras do Iraque e Afeganistão deram errado, não é difícil imaginar o que ocorrerá em um país com uma longa história de resistência e revolução e cujo sistema de governo, além do mais, tem uma base social importante, por mais que no Ocidente sejam infladas as expressões de descontentamento.
Então, não é tão fácil um ataque ao Irã embora o comportamento dos EUA pareça cada vez mais o de um animal ferido tornando-se, portanto, muito mais perigoso. Primeiro, seja Israel o braço executivo ou não de um ataque ao Irã, para os EUA seria como morrer matando porque as conseqüências seriam catastróficas não só na região mas em todo o Oriente Médio. Segundo, porque Rússia e China estão demonstrando, no caso da Síria, que terminou o mundo unipolar e que a antiga superpotência e a superpotência em germinação têm muito a dizer sobre o tabuleiro geoestratégico. Síria e Irã são suas linhas vermelhas, Síria para a Rússia e Irã para a China. E a Síria é a antessala do Irã para o Ocidente e para as monarquias do Golfo. Rússia e China não vão deixar que caiam porque, nesse caso, estariam atirando pedras sobre seu próprio telhado. E após a adoção da nova estratégia de defesa dos EUA, para a China e a Rússia ficou muito claro que não devem fazer nenhuma concessão a um inimigo cada vez mais débil.
É tanto na Síria como no Irã que Rússia e China decidiram colocar em cena, claramente, o fim do mundo unipolar e o surgimento de uma nova era geoestratégica. O que eles dizem significa que, seja por uma nova estratégia de defesa, seja por muito que os ameacem, a situação nunca será a mesma de antes. O veto duplo - pela segunda vez - no Conselho de Segurança da ONU é um marco. Se o primeiro (em outubro) pretendia deixar claro que não haveria outra Líbia, o segundo (fevereiro) mostra uma decidida postura geopolítica sobre o futuro do Irã, o controle do petróleo na região e a luta conjunta pelo declínio do Ocidente a nível mundial. Aos EUA e seus satélites só resta violar, novamente, o direito internacional. Com a aposta que fazem, por necessidade, no "multilateralismo" e na ONU, isso é muito improvável. Há, portanto, um novo equilíbrio na estrutura de poder internacional.
A nova estratégia de defesa dos EUA já provocou um primeiro efeito: o reforço do acordo de cooperação estratégica alcançado em outubro por Rússia e China. Até agora os dois países tinham se mostrado muito comedidos e moderados em relação ao Ocidente. Mas a expansão da OTAN e o escudo antimísseis fizeram a Rússia enfurecer, e a mudança para a Ásia e o Pacífico do foco dos EUA teve o mesmo efeito sobre a China. Por pouco que se mantenham em suas posições atuais, muitos assuntos mundiais começarão a mudar. E está acontecendo.
Notas
(1) Hans Morgentahu: "In defense of the National Interest", American Political Science Review, vol. 66, Nova York 1952.
(2) http://www.defense.gov/news/Defense_Strategic_Guidance.pdf
(3) www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf
(4) Alberto Cruz, "EEUU en declive en Oriente Próximo: potencias medias ponen en duda su supremacía (I, II y III),
http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article1141
(5) Benjamin Friedman, um dos principais dirigentes do think tank Cato Institute, 27 de enero de 2012.
(6) BBC, 5 de enero de 1012.
(7) Reuters, 5 de febrero de 2012.
(8) The New York Times, 4 de febrero de 2012.
(9) Alberto Cruz, "La cooperación entre Rusia y China: el nuevo enfoque geoestratégico que pone fin al poder de Occidente”, http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article1291
(10) Ria Novosti, 6 de febrero de 2012.
(11) Diario del Pueblo, 1 de febrero de 2012.
(12) Xinhua, 1 de febrero de 2012.
(13) Global Times, 5 de enero de 2012.
(14) Alberto Cruz, "China: Ejército, geopolítica y el retorno a Mao”, http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article1205
Sintonia Fina
-Vermelho
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