Uma unanimidade |
Por que Serra é tão detestado?
Me
chamou a atenção a alegria com que muita gente recebeu as
controvertidas denúncias contra Serra no livro A Privataria Tucana. Me
parece que para muitos a principal virtude do livro consiste em atacar
Serra.
É irônico vê-lo no papel
de privatizador, ele que sempre pareceu contrariado com as privatizações
e que jamais se identificou com o ideário neoliberal. Serra é o
clássico ‘dirigista’, alguém que acha que o país deve ser guiado de cima
para baixo por um Estado forte. Há, aí, uma comunhão de idéias entre
ele e o que foi o mais esclarecido presidente nos anos militares,
Ernesto Geisel.
Os jornalistas
não gostam de Serra por um motivo óbvio: se puder, ele liga para os
donos para tentar suspender uma reportagem que ele suspeite que não o
tratará como herói. Caso saia um artigo que o irrite, ele também
responde com ligações privadas para os donos ou os chefes do autor. Até
em bobagens. Uma vez, quando trabalhava na Exame, dei a um texto sobre
mais uma derrota eleitoral de Serra um título extraído de um poema de
Gonçalves Dias: “Ainda uma vez, adeus”. Meu chefe na época, Antonio
Machado, me avisou que Serra tinha ligado para se queixar de mim.
Muitos
jornalistas atribuem sua demissão a pedidos de Serra. Em minha
carreira, só vi alguém com o mesmo perfil: Delfim Netto, o czar da
economia em boa parte do regime militar. Os jornalistas sabíamos que
Delfim não hesitava em pedir cabeças quando contrariado com algum texto.
Sabemos, então, por que Serra é rejeitado pelos jornalistas. E pelos demais?
Bem,
Serra parece reunir todas as características que fazem as pessoas
desgostar de alguém. Tem um claro ar de superioridade, sem que haja
razões para isso. Serra é, por formação, economista, mas jamais produziu
um livro original, com idéias econômicas inovadoras. Sua arrogância se
sustenta muito mais num caráter ególatra do que em bases de realidade, e
isso incomoda duplamente. Se é difícil suportar um gênio difícil, pior
ainda é aturar uma pessoa normal que se comporta como gênio.
Serra
é, também, invejoso. Ele não participou da equipe que fez o Plano Real,
e por isso jamais reconheceu nele a importância histórica de devolver
aos brasileiros uma moeda que não se corroía continuamente.
Também
não é grato. Em 2002, em sua campanha fracassada, jamais deixou claro
aos brasileiros que se alinhava com o homem que viabilizara sua
candidatura: Fernando Henrique Cardoso. Compare com a atitude de Dilma
perante Lula. Dilma, numa cartinha recente a FHC, disse muito mais sobre
a importância dele como presidente do que Serra em toda uma vida em que
ambos estiveram na mesma trincheira.
A
todos os atributos negativos, Serra acrescentou na última campanha um
outro: a hipocrisia. Ele quis parecer um homem do povo, alguém que gosta
de estar no meio das pessoas numa feira comendo pastel e falando do
último capítulo de novela.
Não colou.
Nem
vou remeter ao farisaísmo presente na patética tentativa de transformar
uma bolinha de papel num atentado na última campanha. Numa hipótese
benevolente, isso foi fruto ao mesmo tempo do marqueteiro de Serra e de
seu próprio desespero diante das pesquisas que já o davam como morto.
Foi um horror, é verdade, mas com atenuantes. Por isso passemos por cima
do falso atentado. Fiquemos com a essência: antipatizar com Serra é uma
das raras coisas comuns aos brasileiros.
Dizer
que o brasileiro não sabe votar é um clichê. Mas não ter levado Serra
ao Planalto por duas vezes é uma evidência de que o brasileiro sabe pelo
menos em quem não votar.
Paulo NogueiraSintonia Fina via Com Texto Livre
"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter"
(Cláudio Abramo)
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