Ganância a longo prazo: Paulson é o da direita |
O Sintonia Fina tem o prazer de reproduzir texto de Mauro Santayana via Conversa Afiada:
Quando banqueiros se tornam gangsteres
por Mauro Santayana
Primeiro ministro da França
entre l988 e 1991, Michel Rocard é homem respeitável em seu país. Ele, e
um economista mais moço, Pierre Larrouturou, publicaram,
segunda-feira, em Le Monde, artigo baseado em fontes americanas sobre
os empréstimos concedidos pelo Tesouro dos Estados Unidos aos bancos, em
2008. De acordo com as denúncias – feitas pela agência de informações
econômicas Bloomberg – os juros cobrados pelo FED aos bancos e
seguradoras foram de apenas 0,01% ao ano, enquanto os bancos estão
emprestando aos Estados europeus em dificuldades a juros de 6% a 9% ao
ano – de seiscentas a 900 vezes mais. De acordo com as denúncias da
Bloomberg, retomadas por Rocard e Larrouturou, o montante do socorro por
Bush e Henry Paulson, seu secretário do Tesouro, aos banqueiros, chegou
a um trilhão e duzentos bilhões de dólares, em operações secretas.
O artigo cita a cáustica
conclusão de Roosevelt, durante sua luta para salvar os Estados Unidos
depois da irresponsabilidade criminosa dos especuladores que haviam
provocado a Grande Depressão: um governo dirigido pelo dinheiro
organizado é igual a um governo dirigido pelo crime organizado.
Dentro do raciocínio de
Roosevelt, podemos comparar a carreira de Henry Paulson à de qualquer
grande boss de Chicago ou de Nova Iorque no crime organizado. Desde 1974
– quando tinha 28 anos – Paulson tem servido ao Goldman Sachs, a cuja
presidência chegou em 1999. Nos sete anos seguintes, ele consolidou a
posição do banco em sua atuação internacional – e foi convocado por Bush
para ocupar a Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos em 2006. Poucos
dias antes, ele deixou a presidência do banco, e preferiu converter a
indenização a que teria direito (o famoso bônus), em participação
acionária. Isso o manteve ligado, por interesse próprio, aos destinos do
banco.
Uma das primeiras firmas a
serem beneficiadas pela ajuda do Tesouro, por decisão de Paulson,
durante a crise de 2008, foi a AIG – a maior seguradora norte-americana
– com cerca de 80 bilhões de dólares. Ocorre que o principal credor da
AIG, era o Goldman Sachs, que desse dinheiro, recebeu quase 30 bilhões,
logo em seguida.
O Goldman foi multado, em julho
de 2010, pela SEC (Securities and Exchanche Commission) por fraude, em
550 milhões de dólares, por ter atuado de má fé na questão das operações
com papéis da dívida imobiliária. E são ex-diretores do Goldman Sachs
(provavelmente ainda grandes acionistas do banco, como é o caso de Henry
Paulson) que se encontram agora no controle do Banco Central Europeu
(Mario Draghi), na chefia dos governos da Itália (Mario Monti) e da
Grécia (Lucas Papademos). O que farão esses interventores do Goldman
Sachs, no controle das finanças européias, a não ser defender os
interesses dos bancos – e seus lucros fraudulentos? Se Roosevelt fosse
vivo, naturalmente estaria pensando em sua advertência dos anos 30.
É brutal a semelhança entre a
situação atual e a de 1929. Ao analisar os fatos daquele tempo, John
Galbraight disse que “o outono de 1929 foi, talvez, a primeira ocasião
em que os homens tiveram, em grande escala, a capacidade de enganar a si
mesmos”. A escala do auto-engano parece ser ainda maior em nossos dias.
Rocard lembra a observação de Paul Krugman, de que a Europa entrou em
uma “espiral da morte” – mas não é apenas a Europa que corre esse
risco.
Assim podemos explicar a
advertência de Edgar Morin – também citada por Rocard – de que a
civilização ocidental está entre a metamorfose e a morte. “O capitalismo
sem regras é o suicídio da civilização”, como afirmam Morin e Stephane
Hessel, em seu livro recente “Le Chemin de l’espérance”.
O ex-premier Rocard registra,
em seu artigo de Le Monde, que as dívidas dos países europeus para com
os grandes bancos são antigas, e sua solução não é difícil. Se o Tesouro
americano foi capaz de emprestar a 0,01 aos bancos fraudadores e
irresponsáveis, o Banco Central Europeu poderia emprestar, com as
mesmas taxas, a instituições nacionais européias – seu estatuto veda o
empréstimo direto aos estados-membros – como os bancos estatais de
fomento e caixas econômicas. Essas instituições repassariam as somas
aos estados, cobrando-lhes juros em dobro – a 0,02% ao ano. Se
prevalecesse a razão e a ética, estaria resolvido o problema europeu da
dívida pública.
Registre-se, no entanto, que o
lema do Goldman Sachs, creditado a um de seus antigos controladores, Gus
Levy, nos anos 50, é auto-elucidativo: “long-term greedy”, ganância a
longo prazo. O fato singelo é o de que, em tempos de crise – como disse
Keynes em 1937, e Krugman relembrou também em texto recente – não cabe a
austeridade, com corte de gastos sociais e de infraestrutura, mas, sim,
é preciso investir e criar empregos. Os governantes de hoje, em sua
maioria, não servem a seus povos, e em razão disso, desprezam pensadores
como Keynes. Estão a serviço de grandes corporações, dirigidas por
fraudadores, como os banqueiros do Goldman Sachs.
Talvez tenhamos que ir mais
adiante ainda – e seguir o conselho de Morin: para não perecer, a
civilização ocidental terá que sofrer a metamorfose necessária,
encasular-se na razão e, nela, criar asas para o vôo.
Sintonia Fina
"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter"
(Cláudio Abramo)
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