Se outros efeitos não causar à vida nacional o
livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., suas acusações reclamam o
reexame profundo do processo de privatizações e suas razões. A
presidente da República poderia fazer seu o lema de Tancredo: um
governante só consegue fazer o que fizer junto com o seu povo.
Mauro Santayana
Se
outros efeitos não causar à vida nacional o livro do jornalista Amaury
Ribeiro Jr., suas acusações reclamam o reexame profundo do processo de
privatizações e suas razões. Ao decidir por aquele caminho, o governo
Collor estava sendo coerente com sua essencial natureza, que era a de
restabelecer o poder econômico e político das oligarquias nordestinas
e, com elas, dominar o país. A estratégia era a de buscar aliança
internacional, aceitando os novos postulados de um projetado governo
mundial, estabelecido pela Comissão Trilateral e pelo Clube de
Bielderbeg. Foi assim que Collor formou a sua equipe econômica, e
escolheu o Sr. Eduardo Modiano para presidir ao BNDES - e, ali, cuidar
das privatizações.
Primeiro, houve a necessidade
de se estabelecer o Plano Nacional de Desestatização. Tendo em vista a
reação da sociedade e as denúncias de corrupção contra o grupo do
presidente, não foi possível fazê-lo da noite para o dia, e o tempo
passou. O impeachment de Collor e a ascensão de Itamar representaram
certo freio no processo, não obstante a pressão dos interessados.
Com a chegada de Fernando
Henrique ao Ministério da Fazenda, as pressões se acentuaram, mas
Itamar foi cozinhando as coisas em banho-maria. Fernando Henrique se
entregou à causa do neoliberalismo e da globalização com entusiasmo.
Ele repudiou a sua fé antiga no Estado, e saudou o domínio dos centros
financeiros mundiais – com suas conseqüências, como as da exclusão do
mundo econômico dos chamados “incapazes” – como um Novo Renascimento.
Ora, o Brasil era dos poucos
países do mundo que podiam dizer não ao Consenso de Washington. Com
todas as suas dificuldades, entre elas a de rolar a dívida externa,
poderíamos, se fosse o caso, fechar as fronteiras e partir para uma
economia autônoma, com a ampliação do mercado interno. Se assim
agíssemos, é seguro que serviríamos de exemplo de resistência para
numerosos países do Terceiro Mundo, entre eles os nossos vizinhos do
continente.
Alguns dos mais importantes pensadores contemporâneos- entre eles Federico Mayor Zaragoza, em artigo publicado em El País
há dias, e Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia - constataram que
o desmantelamento do Estado, a partir dos governos de Margareth
Thatcher, na Grã Bretanha, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, foi a
maior estupidez política e econômica do fim do século 20. Além de
concentrar o poder financeiro em duas ou três grandes instituições,
entre elas, o Goldman Sachs, que é hoje o senhor da Europa, provocou o
desemprego em massa; a erosão do sistema educacional, com o surgimento
de escolas privadas que só servem para vender diplomas; a contaminação
dos sistemas judiciários mundiais, a partir da Suprema Corte dos
Estados Unidos – que, entre outras decisões, convalidou a fraude
eleitoral da Flórida, dando a vitória a Bush, nas eleições de 2000 -; a
acelerada degradação do meio-ambiente e, agora, desmonta a Comunidade
Européia. No Brasil, como podemos nos lembrar, não só os pobres
sofreram com a miséria e o desemprego: a classe média se empobreceu a
ponto de engenheiros serem compelidos a vender sanduíches e limonadas
nas praias.
É o momento para que a
sociedade brasileira se articule e exija do governo a reversão do
processo de privatizações. As corporações multinacionais já dominam
grande parte da economia brasileira e é necessário que retomemos as
atividades estratégicas, a fim de preservar a soberania nacional. É
também urgente sustar a incontrolada remessa de lucros, obrigando as
multinacionais a investi-los aqui e taxar a parte enviada às matrizes;
aprovar legislação que obrigue as empresas a limpa e transparente
escrituração contábil; regulamentar estritamente a atividade bancária e
proibir as operações com paraísos fiscais. É imprescindível retomar o
conceito de empresa nacional da Constituição de 1988 – sem o que o
BNDES continuará a financiar as multinacionais com condições
favorecidas.
A CPI que provavelmente será
constituída, a pedido dos deputados Protógenes Queiroz e Brizola Neto,
naturalmente não se perderá nos detalhes menores – e irá a fundo na
análise das privatizações, a partir de 1990, para que se esclareça a
constrangedora vassalagem de alguns brasileiros, diante das ordens
emanadas de Washington. Mas para tanto é imprescindível a participação
dos intelectuais, dos sindicatos de trabalhadores e de todas as
entidades estudantis, da UNE, aos diretórios colegiais. Sem a
mobilização da sociedade, por mais se esforcem os defensores do
interesse nacional, continuaremos submetidos aos contratos do passado. A
presidente da República poderia fazer seu o lema de Tancredo: um
governante só consegue fazer o que fizer junto com o seu povo.
Mauro
Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi
correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da
Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros,
entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista
político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
Sintonia Fina
"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da
inteligência e o exercício cotidiano do caráter"
(Cláudio Abramo)
inteligência e o exercício cotidiano do caráter"
(Cláudio Abramo)
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