5 de dez. de 2011

Artigo do Sócrates




Paixão platônica pelo poder

Há pouco tempo, resolvi visitar novamente o Cristo Redentor. Depois que se tornou uma das modernas maravilhas da humanidade, havia mais um motivo para que eu, caso tivesse oportunidade, não deixasse de dar um pulo até lá. E mais uma vez não me arrependi, apesar das dificuldades de acesso e da falta de infraestrutura, pois lá de cima dá para ver boa parte do Rio de Janeiro. E que beleza! Não suportei só olhar aquela maravilha e saquei da minha filmadora, para que aquela visão se eternizasse. Entretanto, em poucos minutos, fui abordado (termo muito feio, mas perfeitamente adequado à forma com que fui questionado) por alguém da diocese, logo seguido pelo bispo, padre ou o cargo que possua quem por ali se encontrava. Naquele instante, começava uma espécie de bênção coletiva (havia, como de praxe, muita gente por lá). Arguiram-me sobre o que chamavam de direitos de imagem do Cristo. Isto é, se eu havia pago os direitos do Cristo. Direito de imagem de uma imagem? Que absurdo, pensei. Nunca imaginei que existisse algo semelhante, mas não discuti muito. Afinal, neste- país- de absurdos, todo absurdo é passível de acontecer.







Enquanto descia às gargalhadas a escada para me afastar de tudo aquilo, passei a imaginar: e se a bela imagem do Redentor fosse administrada por quem está no comando do nosso futebol? Poderia ser pior. Como? Bem, a primeira coisa que eles fariam, imagino, seria hipotecar a imagem. Uma forma rápida e segura de captar recursos para realizar vários eventos nos mais variados endereços, como boates, inferninhos ou restaurantes de grife, ou para comprar imóveis que abrigariam as suas crendices. O entorno (o morro e adjacências) seria anexado à sede e, provavelmente, loteado por muitos milhões cada lote, não necessariamente nesta ordem. Tentariam construir um estádio, desde que o BNDES bancasse, é claro.




O olhar estaria no Vaticano do futebol que é a sede da Fifa; um sonho e uma paixão platônica de poder. Inventariam uma competição com a participação de localidades que também possuam uma imagem semelhante, cobrando bem de todos os pretendentes. E assim por diante. Se aproximariam também dos poderes constituídos para eventuais benesses extras. Mas sem utilizar a fé como matéria-prima, porque aí seria demais. Basta o amor pelo esporte para hipnotizar desavisados. Eles não são de brincadeira, não. Costuram, caseiam para depois vender o que quer que seja em qualquer feira popular. Que me desculpem as feiras livres em tê-las citado juntamente a esses personagens que, como diria Frejat: “Por você, eu ficaria rico em um dia”. Nada mais parecido com eles.





Publicado na revista Carta Capital onde o doutor Sócrates Brasileiro era colunista.



Sintonia Fina

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