Venício e o PiG: fiscaliza o poder ou é um poder paralelo ?
O Sintonia Fina junto ao Conversa Afiada publica artigo do professor Venício Lima, extraído do site Teoria e Debate:
No clássico Four Theories of
the Press, de Siebert, Peterson e Schramm – uma das consequências
indiretas do longo trabalho da Hutchins Commission, originalmente
publicado no auge da Guerra Fria (University of Illinois Press, 1956) –,
uma das funções descritas para a imprensa na chamada “teoria
libertária” era exercer o papel de “sentinela” da liberdade.
Em outro livro, também
clássico, que teve uma pouco conhecida tradução brasileira (Os Meios de
Comunicação e a Sociedade Moderna, Edições GRD, 1966), Peterson, Jensen e
Rivers assim descrevem a função:
Os libertários geralmente
consideravam o governo como o inimigo mais temível e tradicional da
liberdade; e, mesmo nas sociedades democráticas, os que exercem funções
governamentais poderiam usar caprichosa e perigosamente o poder.
Portanto, os libertários atribuíam à imprensa a tarefa de inspecionar
constantemente o governo, de fazer o papel da sentinela, chamando a
atenção do público sempre que as liberdades pessoais estivessem
perigando (p. 151-152).
Nos Estados Unidos, a teoria
libertária foi substituída pela teoria da responsabilidade social, mas o
papel de fiscalização sobre o governo permaneceu, lá e cá, geralmente
aceito como uma das funções fundamentais da imprensa nas democracias
liberais representativas.
Jornalismo investigativo
O chamado “jornalismo
investigativo”, que surge simultaneamente ao “ethos” profissional que
atribui aos jornalistas a “missão” de fiscalizar os governos e denunciar
publicamente seus desvios, deriva do papel de “sentinela” e é por ele
justificado. A revelação de segredos ocultos do poder público passou a
ser vista como uma forma de exercer a missão de guardião do interesse
público e a publicação de escândalos tornou-se uma prática que reforça e
realimenta a imagem que os jornalistas construíram de si mesmos.
Com o tempo, a mídia passou a
disputar diretamente a legitimidade da representação do interesse
público, tanto em relação ao papel da Justiça – investigar, denunciar,
julgar e condenar – como em relação à política institucionalizada de
expressão da “opinião pública” pelos políticos profissionais eleitos e
com cargo nos executivos e nos parlamentos. Tudo isso acompanhado de uma
permanente desqualificação da Política (com P maiúsculo) e dos
políticos.
Na nossa história política há
casos bem documentados nos quais a grande mídia reivindica para si esses
papéis. O melhor exemplo talvez seja o da chamada “rede da democracia”
que antecedeu ao golpe de 1964 e está descrita detalhadamente no livro
de Aloysio Castelo de Carvalho, A Rede da Democracia – O Globo, O Jornal
e o Jornal do Brasil na Queda do Governo Goulart (1961-64);
NitPress/Editora UFF, 2010.
Mais recentemente, a presidenta da Associação Nacional de Jornais (ANJ) declarou publicamente:
A liberdade de imprensa é um
bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto
é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E,
obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição
oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente
fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida
nenhuma incomoda sobremaneira o governo” (“Ações contra tentativa de
cercear a imprensa”, O Globo, 19/3/2010, pág. 10).
Poder paralelo
Como chamou a atenção o
governador Tarso Genro, na abertura de um congresso nacional contra a
corrupção, organizado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, em
outubro passado:
Criou-se um jornalismo de
denúncia, que julga e condena. Usam a corrupção como argumento para
dizer que as instituições não funcionam e tentar substituí-las (…)
atualmente, os casos mais graves são investigados pela mídia e
divulgados dentro das conveniências dos proprietários dos grandes
veículos (…) fazem condenações políticas de largas consequências sobre a
vida dos atingidos, e tomam para si até o direito de perdão, quando
isso se mostra conveniente (http://sul21.com.br/jornal/2011/10/grande-midia-quer-instituir-justica-p…).
Será que estamos a assistir no
Brasil à comprovação prática da afirmação de Paul Virilio: “A mídia é o
único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao
mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma
outra”? A resposta a essa questão deve ser dada pela própria Justiça e
pelas instituições políticas. A ver.
Venício A. de Lima é sociólogo e
jornalista; autor, entre outros, de Comunicação e Cultura: as Ideias de
Paulo Freire; 2ª. ed. revista, com nova introdução e prefácio de Ana
Maria Freire. EdUnB/Perseu Abramo, 2011
Sintonia Fina
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