Cumpra-se a decisão da OEA sobre tortura !
O Sintonia Fina junto com o Conversa Afiada reproduz texto de Marcelo Zelic e Anivaldo Padilha, publicado em Vi o Mundo:
por Marcelo Zelic e Anivaldo Padilha
Dois projetos de lei aprovados pelo
Congresso Nacional foram encaminhados para a sanção da presidenta Dilma
Rousseff. Como disse em seu programa Café com a Presidenta “são duas
leis importantíssimas para fortalecer a democracia no nosso país. A Lei
do Acesso a Informações Públicas e a Lei da Comissão da Verdade vão
tornar o Estado brasileiro mais transparente, vão garantir o acesso a
informações e, também, Luciano, à história do nosso povo.”
O país necessita de uma aplicação
profunda dessas leis para combater a violência que hoje perdura em nossa
sociedade e se manifesta em práticas autoritárias que persistem
arraigadas. Essas violências se expressam quando forças de segurança nos
estados vigiam e reprimem manifestações pacíficas, quando no judiciário
são perseguidos cidadãos que participam da vida política de
determinadas jurisdições, quando o pobre, o negro e o indígena são
tratados rotineiramente como suspeitos, quando a tortura forja
depoimentos, mata nas delegacias e se espalha como uma chaga na
sociedade, quando se extermina e se pratica chacina no campo e nas
cidades com vítimas desaparecidas em maio de 2006. Seriam tantos
exemplos que cada qual comente mais três…
Por isso, temos necessidade de
conhecer essa história: os mecanismos de coerção e repressão, estruturas
criadas, os crimes de lesa humanidade praticados, as distorções
jurídicas, a filosofia por detrás destas ações (onde o cidadão é um
inimigo interno), os porões como política de estado, o papel civil na
repressão etc. Será um fator de avanço e fortalecimento da democracia se
não forem privilegiadas conveniências de grupos em detrimento da
cidadania e do futuro do país.
A necessidade de irmos fundo na
aplicação destas leis está registrada na matéria Nós, os Inimigos, de
Leandro Fortes, publicada em Carta Capital, que denuncia a elaboração do
Manual de Campanha – Contra-Inteligência, documento “reservado”
produzido pelo Exército Brasileiro em abril de 2009, cuja orientação à
tropa afronta princípios da constituição de 1988. O referido manual
utiliza ainda estreitos conceitos das cartilhas produzidas pelos
militares que atuaram na ditadura militar sob a “norma legal” da Lei de
Segurança Nacional. É isso que queremos para nosso país? Sociedade e
Estado brasileiro (forças armadas incluídas) precisamos rever estas
posições e aproveitar a oportunidade que o Brasil tem, para mudar
condutas e não só conhecer a história.
É necessário uma política pública
integrada para um momento tão especial. Desenvolvida de modo a garantir à
população a participação e o acesso aos trabalhos de implantação e
desenvolvimento destas leis, baseada na educação para os direitos
humanos e amplo acesso à informação, com sessões públicas e transmitidas
pela tv e disponibilização da documentação pela internet, fazendo
chegar às salas de aula de escolas, faculdades e quartéis, os conteúdos
levantados na Comissão da Verdade e os mecanismos de acesso à informação
desenvolvidos para o uso dos cidadãos, durante todo o processo e não só
na publicação do relatório.
Como diz Amparo Araújo em
entrevista à Carta Maior “é preciso que as pessoas queiram exercer o
direito à memória e a verdade”, sendo fundamental para isso que a
sociedade discuta e se envolva nestas questões tão importantes para os
direitos humanos, para os rumos de nosso país e de nossos vizinhos
latinoamericanos.
Temos a possibilidade de fortalecer
instituições, a cidadania e a democracia, mas para isso as mesmas mãos
que promovem este avanço, têm obrigação constitucional de dar
cumprimento integral à sentença da Corte Interamericana de Direitos
Humanos para o caso Gomes Lund vs. Brasil. É hora de enfrentarmos essa
situação. Temos que escolher entre o fortalecimento dos direitos humanos
no país ou vermos contestado o Pacto de São José da Costa Rica e nos
tornarmos uma nação sem princípios e sem parâmetros em direitos humanos.
Somada às recentes leis de acesso
às informações públicas e da comissão da verdade, o benefício do
cumprimento integral da sentença da Corte IDH se insere neste contexto
de fortalecimento da cidadania, da democracia, da justiça. E pode fazer
avançar estruturalmente as nossas instituições com a internalização e
respeito à jurisprudência e jurisdição da Convenção Americana,
representando um grande passo para gerar mecanismos de não repetição da
interrupção por golpe de estado de um mandato presidencial e as práticas
condenadas decorrentes.
Ao sentenciar o país a desobstruir a
justiça para que os crimes de lesa humanidade praticados entre
1964-1985 sejam apurados e seus autores responsabilizados, a Corte IDH
reafirma o estado democrático de direito. Por isso afirma, no primeiro
ponto, que a sentença em si é uma reparação e não é só com a lei de
Anistia que a Corte aponta para a consecução da justiça.
Solicita no ponto oitavo da
sentença que o Brasil ratifique a CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O
DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOAS, concluída em Belém do Pará em 9 de
junho de 1994. A lei foi aprovada pelo senado em abril de 2011 e aguarda
sanção na Presidência da República. Caberá à presidenta Dilma Rousseff
ratificar essa convenção e bom seria se o fizesse junto à sanção das
duas leis citadas no programa Café com a Presidenta, de modo a ampliar
as ferramentas para se construir mecanismos de não repetição e
fortalecer o Nunca Mais em nosso país.
Mesmo se ratificarmos a convenção
contra o desaparecimento forçado de pessoas, ainda faltará ao país,
enfrentar a discussão da Lei da Anistia, onde possíveis soluções são a
ADPF 153 da OAB, cujo embargos de declaração a mantém em discussão no
Supremo Tribunal Federal ou na aprovação do PL 573/11 da Deputada Luiza
Erundina, que harmoniza a legislação interna com a jurisprudência da
Corte IDH, ou ainda pelo acolhimento judicial de ações desenvolvidas por
atingidos e familiares ou Ministério Público Federal, amparadas na
sentença da Corte.
Negar este ponto da sentença é
restringir muito os benefícios das leis sancionadas pelo estado
Brasileiro, pois a Comissão da Verdade, o acesso a informação pública e
desenvolvimento de mecanismos de controle cidadão dessas informações, a
ratificação da convenção contra o desaparecimento forçado de pessoas e a
adequação da Lei de Anistia, são um único conjunto e como tal deve ser
entendido e aplicado, pois a negação de um deles, enfraquece os
resultados dos demais e atrasa o desenvolvimento de nossa sociedade.
O estado brasileiro, ao dar
cumprimento integral, ao afirmar em nossos tribunais e cortes a
jurisprudência da Corte IDH, fará algo fundamental à cidadania,
reafirmando-a no âmbito do judiciário.
Várias instituições, coletivos e
pessoas se mobilizam para construir a Campanha Cumpra-se em nossa
sociedade, entendendo ser parte importante deste processo de construção
de mecanismos de não-repetição, verdade, justiça e educação para os
direitos humanos. A união e mobilização da sociedade pelo
cumprimento integral da sentença do caso Araguaia, quer garantir um
avanço significativo aos direitos humanos em nosso Brasil e na América
Latina.
Acesse www.cumpra-se.org, divulgue,
cadastre-se. Envie suas cartas às autoridades exigindo o pleno
cumprimento da sentença e assine a petição on-line. Participe das
mobilizações da campanha e organize eventos em sua cidade.
Cumpra-se.
Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura
Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de
São Paulo e Coordenador do Projeto Armazém Memória
Anivaldo Padilha
Líder ecumênico metodista, Ex-preso político e Associado de KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
Sintonia Fina
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