Congresso do Uruguai dribla Lei da Anistia. Que inveja !
Anistia deixa de ser entrave à abertura de ações contra militares acusados de tortura
LUCAS FERRAZ
SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
Em votação concluída na
madrugada de ontem, o Congresso do Uruguai aprovou lei que considera
delito de lesa-humanidade os crimes ocorridos na ditadura (1973-85).
Agora eles passam a ser considerados imprescritíveis.
A medida foi aprovada pela
Frente Amplia -coalizão de esquerda que apoia o governo de José Pepe
Mujica com o objetivo de impulsionar o julgamento de militares acusados
de praticar tortura e homicídios no período.
A votação da lei começou na
segunda, no Senado, e foi finalizada ontem pela Câmara. O trâmite foi
agilizado porque na próxima semana prescreveriam vários crimes ocorridos
na ditadura. Até agora eles eram tratados como delitos comuns,
prescrevendo, segundo o Código Penal do Uruguai, em até 30 anos.
“Na verdade ganhamos tempo: a
lei impede a prescrição dos crimes. Agora nossa batalha será na
Justiça”, diz Magdalena Aguerre, que coordena a ONG Serviço Paz e
Justiça, que realiza ações na área de direitos humanos.
A nova legislação, porém, não anula a Lei da Anistia de 1986, que recebeu o nome de Lei da Caducidade.
Em maio, os congressistas
tentaram anular três artigos da lei, deixando-a sem efeito, mas a Frente
Amplia não teve os votos necessários. À época, Mujica, um
ex-guerrilheiro que foi preso e torturado na ditadura, retirou o apoio à
anulação da anistia.
Agora, ele afirma que vai sancionar a nova lei e que a Suprema Corte decidirá sobre sua constitucionalidade.
Apesar da Lei da Anistia, o
Uruguai conseguiu julgar alguns militares com o aval da Suprema Corte.
Dois ex-ditadores -Gregorio Álvarez e Juan María Bordaberry- estão
presos e outros 14 casos já foram analisados, mas o entendimento não era
amplo.
Segundo a ONG Serviço Paz e
Justiça, a lei que impede a prescrição de crimes permitirá que ao menos
80 ações sigam abertas na Justiça.
A aprovação da nova lei gerou
forte discussão na opinião pública. Em 1989 e em 2009, a população
rejeitou, em plebiscito, anular a anistia para julgar os militares.
A principal crítica da oposição
e de setores conservadores é que o Congresso aprovou uma lei que vai
contra a vontade da maioria.
Entre 1985 e 2005, quando o
país foi governado pelos partidos conservadores Nacional e Colorado, não
foi aceita nenhuma ação contra militares (a Lei da Anistia dá ao
Executivo o poder de decidir se abre ou não processos).
Isso mudou após a eleição do
primeiro presidente de esquerda, Tabaré Vásquez, em 2005. Ele e a Frente
Amplia incentivaram os julgamentos.
O número total de mortos e
desaparecidos durante os 12 anos de ditadura no Uruguai é incerto:
segundo entidades de direitos humanos, são entre 200 e 295 vítimas.
Sintonia fina
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