Um ponto alto da cobertura jornalística da explosão social no Reino Unido estão sendo as reportagens de Juan Miguel Muñoz, enviado especial a Londres do matutino espanhol El País.
Como a desta 6ª feira (El agujero negro de Birmingham) e a do início da semana, que selecionei para reproduzir aqui porque dá um quadro mais abrangente das raízes da revolta:
Como a desta 6ª feira (El agujero negro de Birmingham) e a do início da semana, que selecionei para reproduzir aqui porque dá um quadro mais abrangente das raízes da revolta:
"NÃO NOS ESCUTAM, SÓ NOS REPRIMEM"
Bobby (nome fictício) esboça um sorriso quando fala da tentação. "É difícil passar diante de uma loja que está sendo saqueada e não levar um computador que você sabe que não poderá comprar."
Bobby tem 24 anos, é negro, abandonou os estudos universitários - embora fale de economia e política com fundamento - e mora no bairro londrino de Tottenham. Admite que esteve presente nos distúrbios que sacudiram no último fim de semana este bairro, em que qualquer jovem falava de um número 10 que não é o de Downing Street.
Assim chamavam o centro juvenil que frequentavam, que fechou em junho devido ao drástico corte orçamentário. Era dirigido por um homem nascido na Guiana há mais de 50 anos que todos conhecem como Uncle (tio) Berkeley. "Este saque não é fruto de um conflito racial. Em Enfield [outro bairro da capital britânica], a grande maioria dos saqueadores é branca", explica.
Não é coisa só de africanos ou caribenhos de origem, a comunidade negra que não esconde sua fúria em Tottenham. Sim, é coisa de gente jovem, embora alguns bem mais velhos também tenham sido filmados pelas câmeras nos saques.
Não é coisa só de africanos ou caribenhos de origem, a comunidade negra que não esconde sua fúria em Tottenham. Sim, é coisa de gente jovem, embora alguns bem mais velhos também tenham sido filmados pelas câmeras nos saques.
"A grande maioria é de homens jovens, desempregados, alunos adolescentes problemáticos que pensam que os estudos não servem para nada. Além disso, agora estão de férias e não têm aonde ir à noite", explica Berkeley.
"Mas o que mais irrita são as revistas aleatórias que quase sempre afetam os negros", continua. "Porque agora também vêm agentes de outros bairros ou cidades que não conhecem ninguém. Nem sequer a mim, que trabalho com a polícia."
A crise econômica está causando estragos, e os subsídios para os estudantes e para o transporte foram reduzidos ou eliminados. Mas Berkeley, que se apressa a condenar o vandalismo que vive o Reino Unido há cinco dias, aponta outra queixa muito comum. "As autoridades não nos escutam nem querem saber por que acontece o que acontece. Só dizem que o vandalismo não tem justificativa e que os jovens envolvidos na violência serão reprimidos."
A comunidade negra se sente estigmatizada. Quando o jornalista estrangeiro interrompe a conversa com um lojista indiano devido à presença de um cliente negro, este espeta o estrangeiro: "Não pare de falar porque sou negro".
A raiva é palpável. Junto à faixa que cerca High Road, um homem de 40 anos fala furioso, aos berros, sem dar seu nome, mas arremetendo contra a discriminação policial, a 3 metros de vários uniformizados que vigiam esta rua de Tottenham, muito perto da delegacia onde um grupo de mulheres exigiu na última quinta-feira, sem sucesso, explicações sobre a morte de Mark Duggan, o estopim que provocou a orgia de violência em Londres.
"Aqui todo mundo se droga. Mas só nós somos detidos. Os ricos também o fazem, mas não são presos. Veja Amy Winehouse. Não vou recriminar os rapazes por atacarem a polícia e sua brutalidade. Se até os juízes nos discriminam porque reconhecem a gíria que falamos." O homem recebe um telefonema e interrompe suas queixas.
"Aqui todo mundo se droga. Mas só nós somos detidos. Os ricos também o fazem, mas não são presos. Veja Amy Winehouse. Não vou recriminar os rapazes por atacarem a polícia e sua brutalidade. Se até os juízes nos discriminam porque reconhecem a gíria que falamos." O homem recebe um telefonema e interrompe suas queixas.
O aluguel de um pequeno apartamento custa cerca de 1 mil euros por mês neste bairro, que faz parte do município de Haringey, o lugar da Europa onde se falam mais línguas - cerca de 300 - e o que sofre o maior desemprego de Londres e um dos mais elevados do Reino Unido.
Há crianças envolvidas nos tumultos: pelo menos um dos detidos tem 11 anos. A proteção familiar desmorona. Thomas Johnson, prestes a terminar os estudos de jornalismo aos 24 anos, não se surpreende que as crianças pratiquem pilhagens. "Não seria estranho que uma mãe e seu filho fossem roubar juntos. Algumas garotas são mães aos 14 anos, jovens demais. O Estado as ajuda e não precisam de pai, e não são atendidas devidamente."
Tottenham não prospera. "Em apenas 1,5 quilômetro da High Road, dez lojas de comida foram substituídas por dez casas de apostas. Muitos acreditam que não há outra saída", comenta Donovan, um estudante de música de 19 anos, meio jamaicano, meio inglês. E quem consegue recursos vai para áreas acomodadas no mesmo município de Haringey.
"Há 30 anos explodiu um conflito que foi racial. Hoje é diferente. As pessoas têm mais informação e sabem que a grande corrupção é a de Rupert Murdoch [o magnata da imprensa] ou a do sistema financeiro. E também sabem que salvaram os bancos com o dinheiro público. Isto é simplesmente roubar dos pobres para dar aos ricos", conclui Bobby.
Para culminar, já com pouco pão, também poderão ficar sem circo neste subúrbio. O clube de futebol Tottenham Hotspur, que foi impedido de construir um centro comercial nas imediações de seu estádio em White Hart Lane, se instalará em outro bairro de Londres. A Primeira Liga decidirá também hoje se a partida prevista para este fim de semana finalmente será disputada entre o Tottenham e o Everton.
Sintonia Fina - Náufrago da Utopia
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