24 de mai. de 2013

O BRASIL COM DILMA - CONFIANÇA X DESCONFIANÇA: QUEM VAI VENCER A GUERRA?


De um lado, a presidente Dilma Rousseff tenta manter o mercado de trabalho aquecido, seguindo a receita de sucesso já testada pelo ex-presidente Lula, e promove o maior leilão de petróleo do mundo; como aliado, ela conta ainda com o ex-ministro Delfim Netto, que destaca o papel fundamental da confiança empresarial e dos trabalhadores para que a economia se mantenha de pé; de outro, três economistas que já passaram pelo Banco Central, o ex-presidente Armínio Fraga, e os ex-diretores Ilan Goldfajn, hoje no Itaú, e Alexandre Schwartsman, puxam o coro dos que pregam desemprego e alta dos juros; o governo não precisa se render a uma fórmula que já deu errado...

O presente contra o passado, o otimismo diante da fracassomania, a confiança versus a desconfiança. No grande debate macroeconômico, pairando acima dos números, estas são as dicotomias estabelecidas hoje. Os resultados pouco ou nada interessam, na medida em que servem para os dois lados. Comemora-se, de um lado, a criação de 196 mil novos empregos formais no Brasil no mês de abril. Do outro, lembra-se que este é o pior resultado desse indicador desde 2009. Acredita-se, numa ala, que é saudável para toda e qualquer economia apresentar saldos positivos no mercado de trabalho, ainda mais quando maiores até mesmo que os da maior economia do mundo, mas internamente engrossa a corrente dos que defendem o desaquecimento do emprego, quer dizer, o desemprego como fórmula mais ortodoxa de combater a inflação. 
Esta, por sua vez, tem sua taxa nos últimos doze meses inteira dentro da meta (6,49% para o teto estabelecido pelo BC de 6,50%) e tende a cair, em razão da redução nos preços dos alimentos. Mas se multiplicam as projeções de que a escalada dos preços é raivosa, e demanda medidas duras para ser domesticada.
Nesta sexta-feira 24, pesquisa internacional, feita em 39 países, com 37,5 mil pessoas, entre março e maio, foi divulgada com um resultado que deveria ser comemorado. O brasileiro é, de longe, o cidadão do mundo mais otimista com o futuro de suas finanças pessoais, o que melhor avalia, entre os latino-americanos, a condução da economia de seu país e, ainda, ocupa a segunda posição na aposta de uma melhora na atividade econômica geral dentro de um ano. Mas, em lugar de ser saudado, o alto astral nacional em meio à crise internacional é visto por muitos como desinformação e auto-engano.
Ex-presidente do Banco Central, o economista Armínio Fraga, numa coincidência sintomática, contrapôs, simultaneamente à notícia da pesquisa, uma visão tétrica do cenário econômico do Brasil atual. "Juros baixos me dão arrepios", disse ele, engrossando o coro dos que pressionam com todas as forças do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que se reúne na próxima semana, para aumentar a taxa Selic. E não apenas. A exemplo dos ex-diretores do BC Ilan Goldfjan, atual economista-chefe e sócio do banco Itaú, e Alexandre Schwartsman, ex-HSBC e Santander, Fraga também tocou no ponto do "desaquecimento" do mercado de trabalho, tornado-se mais um a torcer publicamente pelo desemprego. Parece inacreditável que homens letrados e de responsabilidades, enriquecidos por suas leituras e ações sobre o mercado financeiro, saiam à luz para badalar pelo desemprego de milhares, talvez milhões de famílias, mas é isso mesmo o que está acontecendo.
DELFIM ENSINA - Contra essa visão, o professor Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento durante o regime militar, mas que é respeitado como uma das grandes inteligências do País, publicou na semana um artigo cujo título é uma pérola; Confiança, confiança, confiança, registrou Delfim na página A2 do jornal Valor Econômico (leia abaixo). Ele demonstrou que, se não houver a mínima crença entre os agentes econômicos, de que cada um cumprirá seu papel nas inúmeras conexões da atividade produtiva, a cadeia irá se quebrar e, com ela, o ciclo de crescimento.
No Brasil, porém, a lição de Delfim, baseada em Adam Smith, o primeiro teórico do pensamento econômico moderno, parece que não vale. Quando os resultados mostram que é possível até mesmo aproveitar a situação criada pela política econômica oficial, de estímulo ao mercado de consumo, preservação do emprego e subsídios à camada mais pobre da população, em lugar de arregaçar mangas e avançar sobre o fabuloso mercado nacional, o que economistas como Fraga, Goldfjan e Schawrstman pregam é a acomodação à crise, o aumento da especulação, a retomada da ciranda financeira. Tudo o que um bom aumento de juros pode fazer.
GUERRA DE POSIÇÕES - O governo não quer ceder, mas o BC é independente e, como em qualquer lugar do mundo, sensível aos agentes do mercado. Preservando essa independência, a presidente Dilma Rousseff vai tratando de prosseguir dando boas notícias ao país a cada dia. Com dias em que dá até duas. Ontem, por exemplo, o governo divulgou que o programa Bolsa Família é um dos principais responsáveis pela queda de 17% na mortalidade infantil entre os brasileirinhos com zero a cinco anos de idade. Ao mesmo tempo, a Agência Nacional de Petróleo anunciou a antecipação da primeira licitação do pré-sal, oferecendo à iniciativa privada global, em regime de parceria com a Petrobras, um universo de exploração estimado em 42 bilhões de barris de petróleo. 
Será, em outubro, aguarda-se, o maior leilão de concessões do mundo, com recorde de arrecadação. Neste ponto, Dilma está seguindo estritamente a cartilha da oposição, buscando investidores e estimulando a formação de consórcios para atuar ao lado de uma empresa estatal – se bem que, a depender dos setores da oposição, essa empresa estatal, a Petrobras, já deveria ter sido vendida há muito.
As boas notícias da economia brasileira, cujo PIB, no primeiro trimestre, cresceu o dobro do japonês, e que, ainda, criou em abril mais empregos que a economia dos EUA, não são suficientes, porém, para unificar o debate entre economistas. Os que não suportam fórmulas não ortodoxas continuarão chiando, mesmo que estas alcancem resultados invejáveis. Ou talvez por isso mesmo. O problema é que, com o seu pessimismo, eles influenciam ânimos e, nessa medida, afetam resultados. Trata-se, assim, de uma verdadeira guerra de posições, com o povo no meio torcendo para o seguimento do que se dá hoje contra quem clama pela volta ao passado.
Confiança, confiança e confiança - Antonio Delfim Netto 

Durante muitos anos o excelente colégio Dante Alighieri cultivou uma interessante reunião anual, a "Jornada das Profissões", que ocupava a manhã de um sábado. Elas antecediam o momento da escolha das carreiras pelos seus alunos. Participavam alguns professores que expunham as excelências de suas disciplinas na construção de uma vida bem realizada e capaz de proporcionar os meios materiais para poder gozá-la. A professora Ilda Loschiavo honrou-me muitas vezes com convites para tais tertúlias. Punham-nos diante de uma plateia de jovens atentos (menos de 17 anos). Alguns, arguidores excepcionais que se tornavam objeto da atração de todos os expositores para convertê-los à sua própria profissão.
A tarefa para um economista era ingrata. Tinha de competir com as promessas de outras disciplinas sociais que expunham, com extrema competência e elegância uma nova organização social, onde as injustiças do "capitalismo" seriam eliminadas e um homem "novo", basicamente altruísta, se realizaria plenamente. A "escolha" da profissão não era, portanto, um problema de menor importância. A concorrência mais dura era com as ciências exatas (física, química, biologia) e com a matemática, cuja sedução é conhecida.
Ingrata, mas com alguma vantagem. A economia desenvolveu um ar de "ciência" com modelos formalizados matematicamente que eram um atrativo para jovens mais ambiciosos e talentosos. A nossa "conversa" começava defensiva e conservadora: 1º) o homem só realiza plenamente a sua humanidade no exercício de sua atividade natural, o trabalho criativo. 
É este que estimula da melhor forma possível a explicitação dos diferentes talentos e das habilidades que cada um de nós carrega dentro de si; 2º) cada um de nós será inserido numa estrutura social produtiva historicamente construída quase por seleção natural no sentido de mais liberdade e igualdade; e 3º) mas essa mudança é lenta de forma que a escolha é importante, porque deverá proporcionar-lhe os recursos materiais para uma vida confortável.
Mas como mostrar o interesse do conhecimento da economia para um conjunto de jovens para os quais um mundo encantado aparece "pronto" nas vitrines das lojas e ao qual eles têm acesso graças às rendas de seus pais? Como desencantar esse mundo? Fazendo uma pergunta ingênua: "Vocês sabem como esse lápis que têm à mão foi parar aí?" Ele começou a ser produzido há 20 anos quando alguém plantou uma árvore na Malásia para atender a um pedido de alguém na Alemanha que, "descobriu" que juntando madeira e grafite poderia fazer um conveniente e limpo instrumento de escrita.
Que misteriosas forças se juntaram para que esse lápis fosse produzido? Que agentes e que interesses tiveram de ser mobilizados? A resposta simples, aparentemente ingênua e preliminar do "descobridor" da economia, Adam Smith (1723-1790), é que uma espécie de "mão invisível" (o lucro do plantador da Malásia, do transportador da madeira, do produtor do grafite, do produtor do lápis, da loja que o vendeu) produziu uma "coordenação" no tempo e no espaço dessa longa cadeia de atividade, que transformou uma árvore plantada na Malásia há 20 anos, num pequeno lápis que hoje está aqui nas suas mãos, na Alameda Jaú, em São Paulo!
O motivo de tudo é o "incentivo" apropriado por agentes anônimos. O "mistério" que a economia tenta explicar é como esses incentivos são traduzidos em suas ações práticas de oferta e procura em "mercados" que emergem espontaneamente organizados da interação entre todos eles. Adam Smith mostrou em 1759, na "Teoria dos Sentimentos Morais", e em 1776, na "Riqueza das Nações', que todo esse complexo sistema de relações está apoiado num fato fundamental: a existência da "confiança" entre os agentes. Na relativa certeza de que cada um cumprirá as suas promessas (os seus contratos) porque é do seu interesse. Se a confiança diminuiu os agentes deixam de responder aos estímulos, os mercados se degradam e o nível de atividade se reduz.
Essa lição era tão válida então quanto é hoje. Alguém pode ter qualquer dúvida que a grande depressão dos anos 30 do século passado e a grande recessão de 2008 foram casos absolutamente evidentes dos efeitos mortais da quebra generalizada da "confiança" entre os agentes econômicos?
O Brasil vive hoje uma relação desconfortável de desconfiança mútua entre o setor privado e o governo. O mesmo ocorre, aliás, com as relações entre o Executivo e sua base no Congresso em atritos de comunicação que não levam a nada. No Congresso toda proposição (que não fira as cláusulas pétreas da Constituição) é aceitável. Ele é o palco de todos os interesses que podem ser publicamente explicitados. A legitimidade da proposta é o Congresso que julga, mas o seu interesse nacional espera-se que seja o poder incumbente quem defina. A arbitragem final é o "veto", que pode ser aceito ou rejeitado.
No Congresso, também, é a "confiança" que permite o seu funcionamento. Ele tem as suas leis: 1º) com relação ao voto não há arrependimento; 2º) ninguém pode pedir "explicação" para o voto do outro; e 3º) a palavra vale: o que é acordado entre o governo por seus representantes e a oposição deve ser respeitado ou haverá uma paralisia crescente do processo legislativo (Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento; Valor Econômico, 21/5/13) 

Um comentário:

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Temos o PIG, tradicional arauto de más notícias e de percepções ruins e equivocadas a respeito de Lula, Dilma e do governo do PT. De outro lado, temos Marina Silva e seus apoiadores, com uma plataforma um pouco mais light, criticando o governo por um outro viés, usando a questão ética e ecológica como plataforma principal. De outro, ainda, temos a esquerda emergente que não pode ser desconsiderada: PSOL, PSTU, PCB, finalmente juntos, fazendo coro com a direita quando interessa e usando índios, cidadãos vivendo em risco social, etc. como pretexto e bandeira para atacar o governo e imobilizá-lo.