Não
deram certo as longas negociações e concessões do governo para acalmar
os militares em relação à Comissão da Verdade. Desde que foi aprovada
pela presidente Dilma Rousseff, nove dias atrás, observa-se uma
crescente inquietação nesse meio quanto aos rumos da comissão. Teme-se,
sobretudo, a possibilidade de caminhar para um processo de
judicialização.
A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Com
os militares da ativa legalmente impedidos de se manifestar sobre
questões políticas, a reação ocorre por meio de oficiais da reserva.
Fala-se até na formação de uma frente para impedir ações da comissão.
Na
semana passada, o capitão da reserva José Geraldo Pimentel divulgou em
seu site uma carta na qual afirma que o primeiro passo da comissão será
criar bases legais para um processo de mudança na Lei da Anistia. Em
seguida, continua, os agentes das Forças Armadas serão levados a
tribunais.
"Condenar os militares
e agentes do Estado que lutaram contra os ex-terroristas e
ex-guerrilheiros é o grande objetivo", diz. Para evitar que isso ocorra,
o autor recomenda aos militares que ainda mantêm documentos sobre
aquele período que não os apresentem.
"Se
vocês tiverem em seu poder registros dos acontecimentos da luta travada
contra os comunistas, desfaçam-se dos documentos, ou os guardem em
lugar seguro", assinala. "Só a posteriori, quando o rancor da vingança
desaparecer, é que poderão torná-los públicos."
Manifestações
semelhantes partiram de vários outros pontos na internet. O Clube
Militar do Rio criou um link em seu site para abrigar manifestações
sobre a comissão. Um dos artigos, assinado pelo general da reserva
Maynard Marques de Santa Rosa, qualificou-a de "estratagema de um grupo
de vingadores obstinados, dirigida aos que lhes frustraram o projeto de
aqui implantar a tirania contraditória".
Críticas
Entre
familiares de mortos e desaparecidos no período da ditadura, assim como
no meio de partidos à esquerda do espectro político, o movimento ocorre
é contrário: critica-se o governo pelas concessões.
Segundo
o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), esses militares da reserva
ainda acreditam que têm força para criar uma crise institucional e
política no País tentam intimidar o governo. "Mas isso não existe. Eles
não têm projeto para o País nem representam a nova geração de oficiais,
que não devem carregar a canga daquele passado", diz o deputado. "O
melhor para a nova geração seria apoiar a apuração dos fatos."
Nesse
cenário, segundo o deputado, o pior papel é o do governo, que cede às
pressões. "Foi vergonhosa a decisão de impedir que um representantes dos
familiares falasse na cerimônia de instalação da comissão", lembra.
Nos
dois lados do debate as atenções estão voltadas agora a escolha das
sete personalidades públicas que farão parte da comissão. As
manifestações dos militares destinam-se em grande parte a influir na
decisão da presidente Dilma.
'Só um dos lados envolvidos será julgado'
Em
entrevista, o general da reserva Clóvis Bandeira (foto),
vice-presidente do Clube Militar do Rio, disse que a maior preocupação
observada entre os sócios daquela instituição é quanto à parcialidade
nas ações da comissão. Esse risco será agravado, na avaliação dele, pela
ausência de militares entre seus integrantes.
Eis a entrevista.
Como o sr. vê essa inquietação entre os militares em relação à comissão?
Em
primeiro lugar quero deixar claro que não falo em nomes dos militares.
Isso cabe aos comandantes das Forças. O que eu tenho observado entre os
sócios do clube, da reserva e da ativa, é que a inquietação se deve ao
fato de ser uma comissão unilateral, o que torna fácil a ocorrência de
injustiças.
Por que unilateral?
Em
primeiro lugar porque a gente não tem assento na comissão. Em segundo,
porque só um dos lados envolvidos naquela guerra será julgado. Esse é o
desacerto que nossos sócios apontam. Trata-se de uma comissão com feição
quase jurídica, que só vai ouvir um lado do problema. Como não se trata
de gente neutra, já está definido quem será o mocinho e o bandido da
história.
Por que acha que não será gente neutra?
Pelos
balões de ensaio que têm sido lançados, não será uma comissão isenta.
Mas é claro que temos que esperar pela nomeação da pessoas.
Sintonia Fina - Com Texto Livre
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